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É Findi - Cadernos da infância - Crônica, por Ana Pottes*

13/09/2025 -

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Em algum momento da minha existência, já dominando a caneta em seu traçado por entre linhas, iniciei a escrever sobre meus sentires. Não havia blogs, celulares, nem computadores tão populares. Soube da existência de um, lá em solo das Américas do Norte, que na época era tão grande feito uma casa. Mas, na minha turma e perto de mim, circulavam canetas, lápis, cuja ponta era afinada com fineza e borrachas que acumulavam a tarefa de apagar também os traçados das tintas; confesso não me sentir atraída por tal função, quase sempre marcava ou isolava os erros e as desistências das ideias, sem as apagar. Ainda guardo esse hábito por uma razão simples: se foi escrito tem um motivo, um porquê e não deve cair na caixinha dos esquecimentos. Uma consequência do pouco uso da borracha são trechos sublinhados e colocados entre parênteses, um trabalho insano e uma perda de tempo na hora das redações escolares.

Retomando o assunto, o que circulava na minha turminha de poucos amigos eram conversas, trocas de segredos e os diários, famosos na época. Ali guardávamos os sentimentos, raivas, primeiras paixões, os acontecidos no dia. Confesso, tentei manter relatos do cotidiano, no entanto me entediei, passando a escrever sobre o que pensava da vida e de como sentia o embate com mundo. Foi a maneira encontrada de reorganizar sentimentos e me apropriar dos impactos sobre mim, um jeito de ir descobrindo, refletindo sobre minhas vontades. Esses escritos, por não seguirem a ordem dos dias, perderam a função de diários para se transformarem em cadernos de poesia, escondidos, guardados e trancados a sete chaves, pois morria de vergonha só de pensar em alguém com acesso a eles. Eram desejos, sonhos e pensares de uma adolescente em busca da sua expressão.

Certa vez, uma amiga me segredou gostar de poetar e mostrou seu caderno. Entendi o gesto como um pedido para ler os meus. Se não o fizesse a estaria traindo. Então, em um ato de coragem e ousadia desengavetei o tesouro e o entreguei, ficando algumas noites e dias na expectativa dos comentários. Eles chegaram vestidos por palavras de carinho e, foi assim que conquistei a primeira leitora, público que, no decorrer dos tempos foi aumentando devagarinho, formado pelas poucas amigas, já que a criança tímida acompanhou a adolescente, e continua a existir no adulto de hoje. Só as grandes amigas recebiam esse carinho ou castigo, vai saber.

O que guardo daqueles movimentos além das ternas lembranças e das descobertas de pessoas poetas, meus primeiros e permanentes amores, foi o desejo crescente de trabalhar com gente, pesquisando e tentando conhecer o emaranhado da alma humana. Aos poucos foram chegando os aprendizados e distanciamentos, importantes para entender o outro, assim como a compreensão e uso do eu lírico como expressão dos volteios poéticos. Creio que os poetas primeiros da minha vida contribuíram para aumentar a consciência e o respeito pela construção do outro, favorecendo as buscas pessoais. Então, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Flor Bela Espanca, Fernando Pessoa, Pablo Neruda eram as paixões, os mestres e os motivos para os cadernos existirem e darem cria, contudo eram a causa para que permanecessem bem escondidos, guardados a sete chaves.

Ficaram engavetados, saindo apenas para visitar uma ou outra pessoa e, numa dessas idas ao amigo, leitor corretor, me foi sugerida a participação em oficina literária. Confesso, a timidez e a vergonha em ver os poemas lidos por estranhos me fez demorar a decidir. Entretanto, um dia segui em frente e fui adiante, tanto que resolvi publicar alguns em um livro só. Hoje seguem longe do controle, cuidados e olhares meus, deixaram de me pertencer, todavia o que permanece em mim é o desejo de que letras, palavras e ideias, agora impressas, viajem por pensamentos, sonhos, outros sentires, alimentando outros desejos e outras formas de ler e compreender a vida.


*Ana Pottes, psicóloga, gosta de escrever crônicas, contos e poemas sobre as interações emocionais com a vida. Autora do livro de poemas: Nem tudo são flores, mas... elas existem!

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