
Se os três poderes jogam e a imprensa torce, quem ainda guarda o apito da verdade? - Crônica Satírica, por Emanuel Silva*
15/09/2025 -
O que deveria ser arena da razão virou clássico de arquibancada. O Executivo escala técnicos improvisados que mudam de time a cada pesquisa de opinião. O Legislativo se comporta como torcida organizada, com faixas, batuques e coreografias ensaiadas para cada votação. Já o Judiciário e o Supremo, em vez de árbitro, parece ter entrado no campeonato para disputar a torcida e ganhar o campeonato. Como três times em disputa, quem vem comandando não é a razão, mas a emoção — a verdadeira camisa 10 da República.
Parte da "grande" imprensa virou narradora com preferência de time
Enquanto os poderes jogam o campeonato, grande parte da imprensa vem narrando, com emoção e com time já definido. Seria cômico, se não fosse trágico. Quando o replay aparece em câmera lenta, se percebe a parcialidade dos comentários. As manchetes se tornam gritos de guerra; e os comentaristas agem como líderes da torcida organizada. Pois é, o jornalismo dos grandes grupos, que já foi guardião da objetividade, hoje parece animador da torcida, soprando o apito apenas quando convém.
A plateia na arquibancada está em catarse
O povo, que paga a conta deste jogo, se divide em arquibancadas rivais, pintadas de cores e símbolos opostos. Aristóteles, se aparecesse para falar de lógica, seria vaiado como técnico ultrapassado. O debate público se converteu em catarse coletiva: grito, vaia, rojão, selfie e likes. A razão foi expulsa de campo com cartão vermelho direto.
Um jogo sem fim: a quem interessa ?
Não há apito final neste jogo, apenas prorrogações infinitas. Cada poder joga por si, a imprensa torce pelo espetáculo, e a sociedade vibra como plateia de reality show. Mas o preço deste espetáculo é caro e trágico. No meio deste ruído, a verdade parece reserva esquecida no banco, esperando a chance de entrar. Mas quem ousará chamá-la de volta ao gramado?
A exortação: a lição de uma mulher que ousou enquadrar os poderosos
No século XVI, quando a Igreja se curvava a interesses e a Espanha se debatia em vaidades políticas, ergueu-se uma mulher de coragem: Santa Teresa d’Ávila. Sem riquezas, sem títulos, mas cheia de sabedoria e visão além de seu tempo, Santa Teresa d'Avila reformou a vida religiosa, enfrentou a Inquisição e ousou escrever ao Papa, pedindo mudanças e defendendo suas fundações. Não hesitou em contrariar até o rei Filipe II quando sua obra encontrou barreiras.
Teresa tinha uma fortaleza: não buscava aplausos nem se deixava seduzir por cargos. Era despojada de vaidade, livre para dizer o que muitos calavam. Seu poder vinha da ascese e da oração, não do grito da torcida. Foi ela quem mostrou, em escritos como Caminho de Perfeição e Castelo Interior, que a verdadeira reforma e transformação começa no coração, e não na arquibancada do poder.
Hoje, quando os três poderes desta Terra de Vera Cruz jogam e a imprensa torce, precisamos de vozes assim: firmes, despojadas e corajosas, capazes de dizer aos poderosos que o espetáculo não é verdade, que o grito não é razão, que a vaidade não é justiça.
Aos integrantes dos três poderes de nosso tempo, aos integrantes da grande imprensa e ao povo fica a exortação de Teresa d'Avila: todo poder humano passa, toda glória se apaga, mas a verdade não morre. A história não lembra das torcidas, mas dos que tiveram coragem de corrigi-las.
E que ecoe como apito final, a palavra que Teresa nos deixou:
“Nada te turbe, nada te espante; tudo passa. Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta.”
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
NR - Os artigos assinados refletem a opinião dos seus autores.
