
Matéria sobre Democracia começa com plebiscito: tem aula ou não, crônica satírica por Emanuel Silva
19/09/2025 -
Resolveram recriar um curso de boas maneiras com kit democracia justamente para quem é mais rebelde: os estudantes. De novo, participação, instituições, direitos, debates — tudo lindo no slide. A ideia é boa (e necessária), mas o país adora ensinar “pensamento crítico” com roteiro oficial: começa em escuta ativa, termina em crítica alinhada aos objetivos da aula. É o Brasil tentando discordar… sem sair da cartilha. Três pequenos obstáculos no caminho: passado, presente e futuro — com alunos e professores espremidos no meio.
Ontem era OSPB: as autoridades lembram?
Houve um tempo, na Terra de Vera Cruz, em que humanos iluminados (vulgo “seres superiores”) decidiram civilizar os incontidos: enfiaram Educação Moral e Cívica no ginasial e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) na faculdade. Obrigatórias, com prova, média e reprovação de verdade. Na ementa: hino, brasão, datas cívicas e um rosário de deveres; os direitos vinham depois, se coubessem no quadro. Contraditório? Só se constasse no gabarito. E os problemas clássicos: bagunceiros crônicos, preguiçosos profissionais, filões olímpicos — e a eterna zoação com os professores (apelidos inclusos).
O presente no país do looping
Por aqui, a história é novela em reprise: muda o penteado, repete o roteiro. Ontem, “formar caráter cívico” (domando os agitadores); hoje, “formar sujeitos democráticos” (inclusive os mais rebeldes). Trocam-se capas, mantêm-se manuais: grande anúncio, material novo, seminário com coffee break e condutas desejáveis em letra miúda. A roda gira, volta ao mesmo ponto — e a plateia aplaude como se fosse estreia.
Os ex-alunos viraram professores? (a revanche do professoral)
Muitos dos que mandam hoje foram obrigados a aprender civismo e agora obrigam a aprender democracia. Sai a continência, entra o grêmio; troca-se a farda, fica a vocação do currículo de cima para baixo. A pergunta não muda: quem escreve a cartilha e quem corrige a prova? Por aqui, a ideologia do outro é “conteúdo”; a nossa, “base comum”.
O futuro: tudo termina em trabalho e nota
Coitado do professor: além de dar conteúdo, terá que montar apostila, prova aberta, fechada, redação e trabalho — afinal, é preciso avaliar (e não vale colar… a menos que seja da cartilha oficial).
E as grandes propostas “participativas” irão surgir a partir do primeiro dia:
• “Professor, vamos fazer plebiscito pra decidir quem quer ter aula?”
• “Galera, temos o direito ao não-trabalho e abolição da prova surpresa!”
• “Turma, vamos fazer uma roda de conversa avaliativa sem nota, sem chamada e, se possível, sem quarta-feira.”
• “Pessoal, vamos fazer trabalho em grupo com presença facultativa do grupo.”
E no fim, depois das notas, surgem as categorias inevitáveis:
• Democrata Exemplíssimo (média 10, com carimbo e medalha);
• Democrata “Tá Passando, Né?” (nota 7 para garantir a aprovação);
• Democrata Remendável (passou na edição especial Recuperation);
• Antidemocrata (não foi à aula e rodou por falta).
Democracia tem, mas… e o salário?
O professor, além de vigilante da democracia, ganha novas atribuições disciplinares: se o aluno não escrever exatamente o que está na cartilha, reprova com todos os direitos educacionais — inclusive reprimenda pública do Diretor, visita ao Secretário de Educação, recado do Prefeito e, em casos barulhentos, boletim… mas de ocorrência (“perturbação da Ordem e do Progresso”). Alguém já viu esse filme?
Enquanto os seres iluminados se escastelam e brindam o “novo” (com cheiro de semi-novo) método de civilizar os alunos, ao Docente resta citar o saudoso Professor Raimundo (Chico Anysio):
“E o salário, ó!”
PS: isto é uma crônica com humor. Se não combinar com o novo manual a ser lançado, avise que a gente retira imediatamente de circulação. Afinal… quem é louco de ser reprovado?
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista

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