
Pito do Pango e o pecado da Corte - A primeira lei contra o sonho
22/09/2025 -
Por Zé da Flauta
Em 31 de outubro de 1830, no coração do Rio de Janeiro, a Câmara Municipal votou a que se tornaria a primeira lei antidrogas das Américas. Não se falava em cocaína, tampouco em morfina ou ópio, esses circulavam à vontade entre boticas e salões da elite. O alvo era outro, bem mais identificado: o pito do pango, nome popular da maconha trazida da África pelos escravizados.
O texto da lei dizia, com ênfase:
“É proibido trazer para a cidade, vender e usar o pito do pango, sob pena de prisão de 3 a 8 dias, e multa de 20$000 réis aos vendedores.”
A pena
A pena era curta, mas o recado era longo: quem fumasse era visto como “vadios”, “escravos” e “desordeiros”. A erva, de repente, virou perigo para a ordem pública. E assim nascia uma das legislações mais seletivas da história, vestida de moralidade, mas cheirando a preconceito e controle social.
Cronista da época
Um cronista da época, desses que não engolem decreto de casaca sem dar risada, publicou em folhetim um comentário ferino. Escreveu:
“Curioso é notar que não há lei contra o vinho da mesa fidalga, nem contra o rum dos armazéns. Parece que o vício do rico é costume, já o costume do pobre é vício.”
E não parou aí. Continuou com malícia e verdade:
“O pito do pango é apenas pretexto. O alvo é o escravo que ousa sonhar liberdade entre uma tragada e outra.”
Tinta e carimbo oficial
Assim se registrou, com tinta e carimbo oficial, a primeira lei antidrogas das Américas, não como defesa da saúde, mas como reflexo das hierarquias do Império. Um decreto contra uma planta tornou-se, na verdade, um retrato vivo de uma sociedade que temia mais a alegria dos becos do que os métodos usados em decisões de banquete.
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.
