
O Tylenol de Trump Por Roberto Vieira *
26/09/2025 -
Durante a recente Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, baixou o sarrafo no uso do medicamento Tylenol, conhecido internacionalmente como paracetamol.
Consumo do analgésico
Segundo ele, o consumo do analgésico pelas gestantes é responsável pelo aumento do número de casos de autismo. Na sequência, o ministro da saúde brasileiro, Dr. Alexandre Padilha, lançou vídeo em defesa do paracetamol na gestação. Gestantes anti-Trump gravaram vídeos tomando Tylenol. Numa boa. Mas existe alguém 100% certo nessa questão?
Paracetamol
O paracetamol, conhecido em diversos países também como acetaminofeno, é um dos analgésicos e antitérmicos mais usados no mundo. Sua descoberta remonta ao século XIX. Mas durante muito tempo era um zé ninguém.
Virou o jogo
O paracetamol só virou o jogo quando os efeitos colaterais de outras substâncias utilizadas para febre e dor, como a acetanilida e a fenacetina, vieram à tona. Quando ganhou batismo comercial de Tylenol, o paracetamol virou estrela. Hoje, mais de um século após sua síntese, o paracetamol é considerado essencial pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e integra a lista de medicamentos básicos em sistemas de saúde globais.
Autismo
O autismo, hoje classificado como Transtorno do Espectro Autista (TEA), começou a ser descrito na literatura médica no século XX, embora comportamentos associados à condição já fossem observados há muito tempo. Atualmente, o autismo é daquelas doenças das quais muito se fala e pouco se sabe realmente.
Entendimento
A partir da segunda metade do século XX, o entendimento sobre o autismo evoluiu, incorporando descobertas da genética, da neurociência e da psicologia do desenvolvimento. Hoje, sabe-se que o TEA é resultado de múltiplos fatores biológicos e ambientais. A tal da doença multifatorial.
Money
O mercado global de paracetamol foi estimado em cerca de US$ 10,4 bilhões em 2024. Projeções indicam que esse mercado pode crescer para cerca de US$ 16,6 bilhões até 2034. A empresa Kenvue (que herdou a marca Tylenol após divisão da Johnson & Johnson) reporta que o segmento Self-Care (onde Tylenol está incluso) teve vendas de cerca de US$ 1,56 bilhão no último trimestre. Toneladas de Tylenol são vendidas nos EUA a cada ano. E de uma coisa já se tem certeza: o uso excessivo de paracetamol é mortal para o fígado.
FDA **
A norte-americana Food and Drug Administration (FDA) iniciou, no dia 22 de setembro de 2025, o processo de alteração da bula do paracetamol (Tylenol e produtos similares) para refletir evidências que sugerem que o uso de paracetamol por gestantes pode estar associado a um risco aumentado de doenças neurológicas, como autismo e TDAH, em crianças. A agência também emitiu uma carta alertando médicos de todo os EUA. Trump sabia disso. Padilha talvez não.
Feto
Embora a associação entre paracetamol e condições neurológicas tenha sido descrita em muitos estudos, uma relação causal não foi estabelecida e há estudos contrários na literatura científica. Também é importante ressaltar que o paracetamol é o único medicamento de venda livre aprovado para uso no tratamento de febres durante a gravidez, sendo que febres altas em gestantes podem representar um risco para seus filhos. A decisão sobre o uso de paracetamol na gestação cabe aos médicos em concordância com os pais. E não é tão fácil como querem fazer parecer os políticos.
Política
Trump e Padilha podem atacar ou defender o paracetamol. A questão não é tão simples quanto a política quer fazer parecer. Na medicina, como o filósofo grego Aristóteles bem dizia na sua obra ‘Ética a Nicômaco’, a virtude geralmente repousa no meio, caminhando lado a lado com o bom senso. Evidências clínicas mudam com o tempo e os trabalhos científicos.
Saúde e doença
Saúde e doença não possuem ideologia. Política e medicina só têm uma coisa em comum. O número de letras. Finalmente, o mais importante não é quem está com a razão. Importante é a saúde do paciente. Sempre.
*A posição do FDA sobre o Tylenol consta do site atual do FDA norte-americano.
Roberto Vieira é médico e cronista.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores