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A Europa perdida de si mesma Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*

29/09/2025 -

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Epígrafe


"Uma civilização que renuncia a si mesma não precisa de inimigos: torna-se sua própria ruína."


1. Preâmbulo - O esquecimento de si


A decadência de uma civilização raramente começa pela espada estrangeira. O fim de Roma não foi inaugurado pelos bárbaros às portas, mas pela corrosão interior que precedeu o colapso.

A história se repete sob outras formas: impérios caem não porque são vencidos, mas porque deixam de acreditar em si mesmos. Hoje, a Europa encontra-se nesse dilema.

A filosofia de Atenas

O continente que ofereceu ao mundo a filosofia de Atenas, o direito de Roma e a fé de Jerusalém parece envergonhar-se da própria herança.

Em nome de um multiculturalismo que confunde tolerância com indiferença e de um laicismo que degenerou em vazio, a Europa está perdendo o fio de sua identidade.

Orgulho civilizacional

O que antes era orgulho civilizacional transformou-se em constrangimento. Monumentos são reinterpretados como símbolos de opressão; tradições milenares são vistas como fardos coloniais; a própria raiz cristã é banida do vocabulário público.

A narrativa dominante não celebra o legado europeu, mas o questiona incessantemente, como se pedir desculpas pela própria história fosse o único gesto ético aceitável. Entretanto, ao renegar sua memória, a Europa cava a sepultura de sua própria continuidade.

2. A ilusão da neutralidade laica

A modernidade europeia consolidou o Estado laico como uma das maiores conquistas políticas. Separar religião e poder político foi essencial para conter guerras confessionais e permitir a convivência plural.

Contudo, nas últimas décadas, o laicismo degenerou em algo paradoxal: de guardião da neutralidade, tornou-se máscara da conivência.


“Ilhas normativas”

Diante da ascensão de comunidades muçulmanas com forte coesão interna, muitos Estados europeus têm permitido a criação de “ilhas normativas” onde princípios islâmicos são aplicados na prática social, ainda que não reconhecidos oficialmente.

Em Londres, Bruxelas, Marselha e Berlim, já se documentaram episódios de “patrulhas da sharia”: grupos de jovens que intimidam mulheres sem véu, proíbem consumo de álcool em espaços públicos ou exigem padrões de comportamento conforme a lei islâmica.


Omissão é gritante

Do ponto de vista jurídico, nada disso tem validade. Do ponto de vista político, entretanto, a omissão é gritante. O Estado, que deveria garantir a universalidade da lei comum, prefere fechar os olhos em nome do respeito à diversidade.


Fortalecer a liberdade

Essa omissão, longe de fortalecer a liberdade, enfraquece-a. Étienne de La Boétie descreveu isso como servidão voluntária: não é preciso conquistar um povo pela força quando ele mesmo abre mão da sua soberania por conveniência ou medo.

3. O oportunismo político

Não se pode compreender esse fenômeno sem considerar o cálculo eleitoral. Nas grandes metrópoles europeias, onde o voto das comunidades imigrantes se tornou decisivo, partidos de esquerda — e também setores oportunistas da centro-direita — preferem acomodar reivindicações identitárias a correr o risco de perder apoio.

Criticar práticas culturais incompatíveis com a lei ou com valores liberais universais é rotulado de islamofobia. Reprimir com firmeza ações de imposição social é visto como intolerância.

Silêncio

Esse silêncio oportunista mina a confiança do cidadão comum. O europeu que vê, no seu bairro, a pressão para adaptação a costumes que não são os seus percebe que o Estado, em vez de defendê-lo, o abandona. Surge, então, o sentimento de que a lei comum já não protege igualmente a todos. A lacuna é preenchida por discursos mais radicais, que ganham força justamente porque vocalizam a angústia que os partidos tradicionais se recusam a enfrentar.

4. Trump, a imprensa e o dilema da verdade

Quando líderes como Donald Trump denunciam que Londres ou outras cidades “querem implantar a sharia”, a imprensa progressista reage com o rótulo de fake news.

Tecnicamente, a acusação é correta: não há projeto legislativo algum no Reino Unido para substituir o sistema jurídico britânico pela lei islâmica.

Mas, ao apegar-se ao detalhe jurídico, a imprensa ignora o fundo político da crítica: a erosão cultural silenciosa que permite a criação de micro espaços onde a lei islâmica se impõe socialmente.

Enfraquecimento da identidade europeia

Esse é o jogo das palavras. Ao desmentir Trump na superfície, a mídia evita discutir o núcleo do problema: o enfraquecimento da identidade europeia.

É mais oportuno para a mídia enviesada caricaturar o denunciante como exagerado do que enfrentar o dilema de fundo, evitando-se com isso expor a chaga de uma invasão cultural que, antes de respeitar os valores do anfitrião, utiliza-o contra ele mesmo.

O resultado é perverso: enquanto os cidadãos percebem a perda concreta de espaço cultural, a narrativa oficial insiste em que tudo não passa de histeria ou preconceito.

Ressentimento e a polarização

Essa dissonância alimenta ainda mais o ressentimento e a polarização, validando as bandeiras conservadoras pois são as únicas a se contrapor a essa situação catastrófica.

5. As raízes esquecidas

O que está em jogo é mais profundo do que uma disputa entre laicismo e religião, entre esquerda e direita, ou entre europeus nativos e imigrantes. O verdadeiro risco é espiritual: a Europa está esquecendo suas raízes.

Da Grécia herdou-se a distinção entre aparência e essência, o amor ao logos, a busca da verdade como horizonte comum. De Roma, a universalidade do direito, a noção de cidadania, a ordem que transcende interesses tribais.

Dignidade intrínseca

De Jerusalém, a dignidade intrínseca da pessoa humana, a consciência de que cada vida é portadora de um valor inegociável. Essa tríplice herança — Atenas, Roma e Jerusalém — foi o alicerce sobre o qual se construiu o que chamamos de civilização ocidental.

Mas hoje, essas raízes são apresentadas como causa de opressão. A filosofia é reduzida a eurocentrismo; o direito romano, a instrumento de dominação; a fé cristã, a símbolo de intolerância.

O que foi fonte de grandeza torna-se objeto de vergonha. No lugar de um humanismo enraizado na transcendência, instala-se um relativismo que já não sabe distinguir entre virtude e vício. Uma árvore que rejeita suas raízes não floresce: seca de dentro para fora.

6. O paradoxo da tolerância

Karl Popper advertiu para o paradoxo da tolerância: se uma sociedade tolera ilimitadamente até mesmo os intolerantes, acaba destruída por eles. Esse paradoxo tornou-se realidade no solo europeu.

Em nome do respeito absoluto às culturas alheias, toleram-se práticas que, se normalizadas, aniquilariam os próprios princípios de liberdade que tornaram possível essa convivência.


Consumo de álcool

Proibir o consumo de álcool, restringir o vestuário feminino ou negar direitos iguais em tribunais religiosos não são meras expressões culturais: são imposições normativas.

Aceitá-las como manifestações legítimas de diversidade é confundir diferença com supremacia. A diversidade autêntica só é possível quando existe um fundamento comum inegociável. Sem isso, o pluralismo transforma-se em fragmentação.

7. Demografia e destino

Além do fator cultural, há o fator demográfico. Pesquisas indicam que, em diversas capitais europeias, a população muçulmana cresce em ritmo mais acelerado do que a população nativa.

Londres já não tem maioria “white British” desde 2011. Bruxelas segue o mesmo caminho. O fenômeno não é apenas estatístico: traduz-se em mudanças políticas, sociais e culturais irreversíveis.


Reconhecer uma lei da história

Não se trata de demonizar comunidades imigrantes, mas de reconhecer uma lei da história: povos que afirmam sua identidade com coesão substituem aqueles que a abandonam.

A colonização, que outrora foi da Europa sobre o Oriente, parece inverter-se: não por armas, mas por números, fé e disciplina cultural. A vingança que muitos temem não é militar, mas simbólica. Não é Lawrence da Arábia que será derrotado, mas a própria ideia de Europa.

8. Filosofia da perda

Aqui se revela a dimensão mais trágica: perder-se de si mesma é a forma mais cruel de derrota. Não é necessária invasão externa, porque a rendição já ocorreu no espírito.

A Europa vive um niilismo cultural semelhante ao que Nietzsche previu: ao matar Deus, matou também a fonte de valores.

Mas, ao contrário de Nietzsche, que buscava uma transvaloração, a Europa contemporânea não criou novos valores. Limitou-se a viver do consumo, do bem-estar material e da memória envergonhada de um passado que já não compreende.

Vida autêntica

Martin Buber ensinava que a vida autêntica nasce do encontro Eu-Tu, e não da relação Eu-Isso. A Europa, ao reduzir o outro a estatística ou ameaça, perde a capacidade de verdadeiro diálogo.

Mas, ao mesmo tempo, ao não se reconhecer como Tu — uma identidade viva — torna-se incapaz de dialogar de igual para igual. Só quem sabe quem é pode se abrir ao outro sem se dissolver.

9. O silêncio dos cidadãos

Grande parte da população percebe essa transformação, mas cala-se. O medo da acusação de racismo ou intolerância paralisa vozes críticas.

Esse silêncio não é apenas político, mas existencial. Muitos já não se sentem no direito de defender suas tradições, suas festas religiosas, seus símbolos históricos.

O resultado é um mal-estar profundo: viver numa terra que já não reconhece seus próprios filhos.

Esse silêncio é também uma forma de servidão voluntária. Ao abdicar do direito de afirmar-se, o cidadão europeu entrega ao Estado e às minorias mais organizadas o poder de definir o espaço público.

E assim, lentamente, a Europa se perde — não porque lhe roubaram algo, mas porque abriu mão de si mesma.

10. Conclusão — O destino de uma civilização

A Europa encontra-se diante de uma encruzilhada. Pode continuar a trilhar o caminho da renúncia, cultivando a vergonha do passado e a hesitação do presente, até dissolver-se em fragmentos culturais.

Ou pode reencontrar a coragem de afirmar sua identidade, sem medo de ser acusada de intolerância, porque sabe que sua herança é fonte de liberdade para todos.

Árvore seca

Se optar pela primeira via, não haverá necessidade de invasores. O continente morrerá de dentro para fora, como uma árvore seca, incapaz de dar frutos.

Se optar pela segunda, talvez reencontre a grandeza que, por séculos, ofereceu ao mundo: a ideia de que a dignidade humana é universal, que a razão pode guiar a vida política, que a lei comum é garantia da liberdade de todos.

O tempo é curto. A Europa não será derrotada de repente, mas lentamente, pelo esquecimento de si mesma. É o destino mais cruel: não ser vencido por forças externas, mas por sua própria hesitação em existir.

11. Epílogo — O preço do esquecimento

Uma civilização não morre quando perde batalhas, mas quando esquece o que a fez nascer. Se a Europa continuar a pedir desculpas por existir, em breve não terá mais por que existir. Sua ruína não será fruto de vingança alheia, mas de suicídio espiritual.

Ainda resta tempo de recordar que a liberdade não é ausência de identidade, mas sua expressão mais alta. Se esse chamado não for ouvido, o silêncio da Europa será definitivo — e dela restará apenas a memória de que um dia ousou dizer ao mundo quem era.

12. Pós-escrito — O preço da inércia

Sem uma mudança profunda de rota e de conduta, não há possibilidade de que as coisas melhorem na Europa. A história não perdoa civilizações que insistem em permanecer imóveis diante de sua própria dissolução.

Pressão de fora

O continente europeu se perde não apenas pela pressão de fora, mas pela recusa interna em afirmar o que é. O perigo não está no inimigo visível, mas na hesitação cúmplice dos seus próprios líderes.

Nesse ponto, o exemplo americano é contundente. A troca de governo e de políticas nacionais nos Estados Unidos está retirando o país do abismo de um colapso anunciado.

Protagonismo americano

Sob Biden, a América havia se encolhido, permitindo que até mesmo Lula — que só voltou à presidência graças à interferência direta de Washington — se levantasse contra o protagonismo americano, insuflando negociações internacionais que buscavam enfraquecer o dólar.

Esse quadro já não é o mesmo: a guinada política recolocou os Estados Unidos como eixo da ordem mundial, restaurando confiança, poder de dissuasão e autoridade estratégica.

Enquanto os EUA retomam o fio de sua própria grandeza, a Europa hesita. Hesita diante de si mesma, diante de suas raízes e diante do futuro.

O contraste é brutal: de um lado, uma nação que ousa corrigir seu rumo e reafirmar sua liderança; do outro, um continente que insiste em se perder de si mesmo, como se o suicídio cultural fosse o preço inevitável da tolerância.

A verdade é mais dura

Mas a verdade é mais dura: o suicídio das gerações futuras será o preço do oportunismo político de hoje, que se rende covardemente aos votos dos destruidores da cultura ocidental.

Sem coragem de mudar, a Europa não caminhará apenas para o esquecimento. Caminhará, sobretudo, para a traição de seus filhos e netos, condenados a herdar uma terra sem espírito, sem memória e sem voz.


(*) O autor é advogado, procurador do Estado aposentado, ex-Procurador-Geral do Estado do Amazonas e membro da Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas.
 
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder acolhe a diversidade de pensamentos e visões do mundo e estimula o contraditório democrático e respeitoso.

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