
"Estetoscópio e Caneta" -Meu Perfil aos 91 Anos , por Meraldo Zisman*
30/09/2025 -
Entre o silêncio do corpo e a memória da palavra, uma vida que insiste em ser travessia.
Aos 91 anos, não me ocupo em contar aniversários. O que me importa são as travessias: os caminhos percorridos, as dores suportadas, as alegrias guardadas.
Sou filho do chão quente de Pernambuco e da coragem que meu pai trouxe da Bessarábia, menino ainda, com mais esperança do que certezas. Dessa mistura nasci eu, herdeiro da teimosia de viver e da fé em recomeços.

Na adolescência
Os livros foram meu abrigo. Cada página era um companheiro secreto, cada autor, um mestre invisível. Ali aprendi que a palavra pode ser também casa.
Na medicina, encontrei meu chamado. O estetoscópio não me ensinou apenas a ouvir batimentos cardíacos, mas a perceber que cada coração guarda uma biografia escondida. A dor nunca é só química; é memória, perda, medo. Cuidar sempre significou mais do que prescrever: significou estar presente.
Dessa escuta
Nasceu a escrita. A caneta tornou-se extensão do estetoscópio. Onde a ciência não alcançava, a palavra oferecia consolo. Escrevi porque não pude calar. Escrevi porque percebi que as histórias, quando partilhadas, curam tanto quanto os remédios.
Hoje, ao erguer a taça, não celebro apenas os anos, mas os encontros que resistiram ao tempo, o amor que me sustenta e a esperança que insiste em nascer.
Sou médico e escritor
Mas, acima de tudo, sou ponte: entre corpo e memória, silêncio e voz, dor e palavra.
E sigo. Porque enquanto houver um coração a ser escutado e uma história a ser narrada, haverá em mim razão para viver.
*Meraldo Zisman foi professor em Cambridge. É Medico Terapeuta e membro, entre outras, da Academia Recifense de Letras.
