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Reflexão - Por que mulheres negras precisam liderar a agenda climática por Rárea Porto*

01/10/2025 -

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A crise climática que enfrentamos hoje não é apenas ambiental. Ela carrega as marcas profundas de desigualdades históricas, raciais e de gênero. Embora as consequências da emergência climática afetem a todos, não podemos ignorar quem está na linha de frente dos impactos e, ao mesmo tempo, à margem dos espaços de decisão: as mulheres negras. Garantir a presença e o protagonismo dessas mulheres nos debates sobre justiça climática não é apenas necessário — é urgente.





Recentemente

Durante o Simpósio Global 2025 sobre Justiça Climática e Populações Impactadas, que reuniu representantes de 110 países, trouxe ao centro do debate global os impactos da crise climática sobre a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos (DSSR), com atenção ao recorte de gênero. Partos prematuros, aumento da mortalidade materna, irregularidades menstruais, infertilidade, violência doméstica e sexual, crescimento dos casamentos infanto-juvenis, deslocamentos mais longos e perigosos em busca de água e saúde, além do acesso limitado à contracepção foram alguns dos efeitos concretos da emergência climática trazidos nas discussões.





Dessa forma

Reitera-se que a crise climática transcende a dimensão ambiental e se configura como uma crise de direitos humanos e de justiça social, não podendo ser dissociada das dimensões de raça e gênero.

Mulheres negras

Cis e trans, encontram-se entre os grupos mais vulnerabilizados, enfrentando intensamente os impactos da emergência climática e acumulando desigualdades que se aprofundam em contextos de crise. Historicamente, no Brasil, foram empurradas juntamente com suas famílias para territórios mais vulneráveis, desprovidos de saneamento, infraestrutura e políticas públicas. Dados do IPEA mostram que 67% da população que vive em áreas de risco ambiental no país é negra. Entre essas pessoas, a maioria são mulheres, muitas delas chefes de família e responsáveis pelo cuidado coletivo.





Desconexão

No entanto, quando olhamos para quem ocupa assentos em negociações globais, a desconexão é gritante: na COP26 (2021), apenas 9,2% da delegação brasileira era composta por mulheres negras, enquanto mulheres brancas alcançaram 30,94%; na COP27 (2022), esse percentual subiu para 16,18%, ainda distante da equidade racial e de gênero, revelando que, mesmo quando há avanços quantitativos, a desigualdade estrutural persiste e se reproduz nos espaços de maior poder político.

Essa ausência

Impacta diretamente a formulação de políticas climáticas. Sem representatividade, as soluções desenhadas tendem a ignorar as necessidades reais de quem vive os efeitos da crise no cotidiano. Ao mesmo tempo, são justamente essas mulheres que vêm desenvolvendo práticas inovadoras nos territórios de cuidado, agroecologia e preservação ambiental. Um estudo recente da Oxfam Brasil (2025) mostra que, nas comunidades periféricas, mulheres negras lideram 58% das iniciativas locais voltadas para adaptação e resiliência climática, colocando seus saberes ancestrais a serviço de soluções concretas para proteger vidas.

Invisíveis

No entanto, apesar da potência desses saberes e práticas, suas vozes seguem sistematicamente invisibilizadas. O dossiê “Cartografias Negras pela Justiça Climática”, lançado pelo Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), alerta que a não inclusão das mulheres negras na formulação de políticas compromete não só a eficácia das estratégias de enfrentamento, mas também a legitimidade democrática dos processos de decisão. Em outras palavras, não há como avançar sem garantir que ribeirinhas, catadoras, quilombolas, agricultoras, pescadoras, trabalhadoras domésticas, mães de santo, feirantes, entre outras, estejam no centro dos espaços onde as soluções são desenhadas.O desafio que se impõe à sociedade brasileira — e, sobretudo, ao poder público — é transformar essa realidade. Isso exige investimento em lideranças territoriais, ampliação de políticas públicas de base e inclusão ativa dessas mulheres nos espaços de negociação, do nível local aos fóruns internacionais.

Para a COP30

A ONG Criola vem intensificando sua mobilização para a conferência da ONU, e levará uma comitiva de quinze mulheres negras que atuam em diferentes territórios para acompanhar as discussões em Belém. A organização quer garantir que a perspectiva de raça, gênero e território seja considerada nas discussões sobre mudanças climáticas e que as mulheres negras tenham participação ativa nas negociações e decisões relacionadas ao clima.

A agenda

Não se trata de “incluir” mulheres negras na agenda climática, mas de reconhecer que elas são a agenda, pois seus corpos e territórios estão no epicentro da crise e, portanto, também das soluções. Seus conhecimentos ancestrais, suas práticas coletivas e suas estratégias de cuidado precisam ser incorporados à construção de políticas climáticas mais justas e eficazes.

Justiça

Se quisermos de fato enfrentar a emergência climática, precisamos reconhecer que não existe justiça climática sem justiça racial e de gênero. E isso só será possível quando as mulheres negras deixarem de ser espectadoras e passarem a ocupar o lugar que lhes pertence: o de lideranças e protagonistas na construção do futuro do planeta.

*Assistente de coordenação política clima da ONG Criola.

NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula a diversidade de ideias e abre espaço para todas as correntes de pensamento.
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