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Polêmica - Entre o Espelho e a Sombra: Resposta a Natanael Sarmento, por Jorge Henrique Freitas Pinho*

01/10/2025 -

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"A crítica é bem-vinda quando ilumina; é triste quando apenas obscurece."
— Jorge Henrique de Freitas Pinho

1. Preâmbulo — A honra do debate

Recebi com atenção e respeito o artigo de Natanael Sarmento, publicado em O Poder, sob o título “O Advogado do Diabo”, no qual ele se propõe a criticar o meu ensaio “A Europa perdida de si mesma”. Quero, em primeiro lugar, agradecer a oportunidade do debate. Não há progresso intelectual sem o atrito das ideias; não há avanço filosófico sem o contraste dos argumentos.

O tom do artigo de Sarmento, marcado por certo ímpeto de desqualificação, não me ofende. Pelo contrário: é sempre preferível ser atacado por defender princípios do que aplaudido pela conveniência do silêncio. Como ensinava Montaigne, “quando me atacam, não me destroem; apenas me revelam”.

Por isso, este texto não pretende devolver ofensa por ofensa, mas colocar luz onde se tentou lançar sombra, distinção onde se buscou confusão, clareza onde se quis apenas caricatura.

2. O título e a caricatura

Intitular seu artigo “O Advogado do Diabo” é já uma escolha que revela muito. Ao associar minha defesa da identidade civilizacional europeia ao papel daquele que advoga pela causa infernal, Sarmento não refuta argumentos: apenas rotula. É uma estratégia antiga: quando não se quer enfrentar uma ideia, busca-se desqualificar quem a expressa.

Mas o que está em jogo não é uma defesa do “diabo”, e sim a defesa de algo simples: que nenhuma civilização pode sobreviver se renunciar às suas raízes. O título é espirituoso, mas esconde um vício lógico: confundir a defesa da identidade com a exaltação de uma supremacia racial ou cultural. O que eu disse, e reitero, é que a Europa não precisa pedir desculpas por existir. Assim como Israel não pode pedir desculpas por sobreviver. Assim como nenhuma nação pode abrir mão de sua memória sem abrir mão de si mesma.

O verdadeiro “advogado do diabo”, com a devida ironia, é quem defende o esquecimento, a dissolução e a renúncia — não quem insiste em lembrar que Atenas, Roma e Jerusalém foram os pilares da nossa civilização.

3. Sobre acusações de supremacia branca

Um dos pontos mais recorrentes nas críticas ao meu ensaio foi a tentativa de associar a defesa da identidade europeia a uma postura de “supremacia branca”. Ora, aqui está um equívoco que precisa ser desmontado com calma.

Atenas não é um patrimônio da “raça branca”: é um patrimônio da humanidade. O pensamento lógico, o debate filosófico, a busca do logos não são privilégio étnico, mas contribuição universal. Roma não foi apenas um império europeu: foi a ideia de que a lei pode ser universal, que a cidadania transcende tribos, que a justiça pode ser comum. Jerusalém não é símbolo de exclusão: é a fonte da dignidade intrínseca da pessoa humana, de cada pessoa, independentemente de origem.

Quando falo que a Europa precisa lembrar suas raízes, não falo de melanina ou de sangue, mas de princípios. Defender Atenas, Roma e Jerusalém não é levantar bandeira de “supremacia branca”: é reafirmar que sem filosofia, sem direito e sem dignidade humana não há civilização que sobreviva.

Reduzir isso a uma questão racial é não apenas uma injustiça, mas também uma ofensa ao pensamento universal que esses pilares representam.

4. A história europeia: orgulho e culpa

Sarmento aponta, com razão, que a Europa tem uma história marcada por colonização, exploração e guerras. Não o nego. Nenhuma civilização é pura, nenhuma trajetória é imaculada. Mas transformar essa consciência em culpa perpétua é cometer o erro da servidão voluntária descrita por La Boétie: submeter-se não à força, mas ao peso psicológico da própria vergonha.

Sim, a Europa colonizou, mas também libertou. Sim, explorou, mas também deu ao mundo instituições de liberdade, ciência, filosofia, universidades, arte e a própria noção de direitos humanos. Reduzir a Europa ao seu passado de violência é tão injusto quanto reduzir qualquer pessoa apenas aos seus erros, ignorando suas virtudes.

O problema contemporâneo é que, em nome de um multiculturalismo mal compreendido, a Europa tem trocado a memória equilibrada por uma autoflagelação permanente. Seus monumentos são vistos como opressão, suas tradições como fardos, sua fé como intolerância. Mas uma civilização que se envergonha de si mesma já está derrotada antes de qualquer batalha.

5. Israel, Netanyahu e o falso rótulo de genocídio

Outro ponto de ataque no artigo de Sarmento foi minha defesa de Israel e a referência a Benjamin Netanyahu como símbolo de resistência civilizacional. Aqui é preciso clareza: chamar Israel de “Estado genocida” é um abuso da linguagem e da lógica.

Se Israel quisesse de fato exterminar os palestinos, já o teria feito há décadas. Detém poder militar, tecnológico e estratégico para isso. O que há, na realidade, é um Estado que busca sobreviver diante de inimigos que juram sua destruição. O Hamas, que governa Gaza, não deseja coexistir: deseja aniquilar Israel. E parte significativa da população palestina, como vimos em 8 de outubro, celebrou ataques terroristas contra civis.

Netanyahu pode ser criticado, como todo líder político. Mas elevá-lo ao patamar de “genocida” é inverter a realidade: genocídio é matar civis deliberadamente por sua identidade. Isso é o que faz o Hamas, transformando até crianças em escudos humanos. Israel responde, sim, com força — muitas vezes dura —, mas sempre com o objetivo de neutralizar estruturas de terror.

Defender Israel não é ignorar a dor palestina. É, isso sim, recusar a hipocrisia de acusar quem se defende enquanto se absolve quem ataca.

6. EUA, Trump e o risco do belicismo

Sarmento sugere que minha defesa do protagonismo americano equivale a um apoio irrestrito ao “belicismo imperialista”. Mais uma caricatura.

O que sustento é simples: quando os EUA hesitam, o mundo se torna mais instável. O Iraque pós-retirada e o Afeganistão de 2021 são provas claras disso. Foi a hesitação — e não a firmeza — que abriu espaço para o Estado Islâmico, para a Rússia expandir sua influência e para a China consolidar sua ascensão.

Os Acordos de Abraão, obtidos sob Trump, mostram o contrário: firmeza pode gerar paz. Israel e países árabes começaram a normalizar relações não porque foram “submetidos pela guerra”, mas porque havia clareza estratégica.

Belicismo é buscar guerra por prazer. Liderança é garantir que a paz não seja devorada pela omissão.

7. Europa e o dilema da renúncia

Outro alvo das críticas foi minha leitura da Europa contemporânea como continente hesitante, envergonhado de si. Sarmento defende que a Europa apenas se tornou “mais tolerante e inclusiva”.

Ora, tolerância e inclusão só existem quando há um fundamento comum. Quando comunidades criam suas próprias normas paralelas, patrulhas da sharia intimidam cidadãos, e partidos fecham os olhos por cálculo eleitoral, já não se trata de pluralismo: trata-se de fragmentação.

Meloni, Orbán, Abascal e Ventura não são “fantasmas do fascismo”: são respostas políticas de povos que se sentem abandonados. Podemos discordar de seus métodos ou discursos, mas não podemos ignorar que representam a angústia legítima de milhões de cidadãos que não aceitam ver sua cultura dissolvida.

8. O conservadorismo não é ódio, é memória

Sarmento reduz o conservadorismo a “ódio ao outro”. Mas conservadorismo, no sentido filosófico, não é intolerância. É a consciência de que não há diversidade sem identidade. É a defesa de que liberdade não 8é ausência de raízes, mas sua expressão mais alta.

O conservadorismo não fecha portas ao diálogo, mas exige que ele seja feito em bases sólidas. O contrário é relativismo: a crença de que todas as culturas são equivalentes, mesmo quando uma delas nega os princípios mínimos da convivência.

Karl Popper advertiu: tolerância ilimitada destrói a própria tolerância. Defender raízes não é intolerância; é proteger o terreno comum onde a diversidade pode florescer.

9. O papel da crítica honesta

Aceito e acolho críticas. Mas é preciso distinguir entre crítica honesta e caricatura ideológica. O artigo de Sarmento, ao me chamar de “advogado do diabo”, optou pela segunda via. Prefere desqualificar com rótulos do que enfrentar os argumentos.

O verdadeiro debate não se dá com espantalhos, mas com ideias reais. E aqui está meu convite: não discutamos rótulos, mas princípios. Não debatamos fantasmas, mas fundamentos.

10. Conclusão — Entre espelho e sombra

O Ocidente está diante de um dilema histórico: renunciar às suas raízes ou resistir a partir delas. Minha defesa é clara: resistir.

Sarmento, ao me chamar de “advogado do diabo”, apenas reforça a caricatura que tanto denuncio: a de que quem defende raízes é automaticamente “extremista”. Mas o verdadeiro extremismo é pedir que uma civilização peça desculpas por existir.

O que escrevi em “A Europa perdida de si mesma” permanece válido: não há futuro para uma árvore que renuncia às próprias raízes.

Epílogo — O dever da lucidez e a gratidão pelo debate

Quero encerrar estas linhas não apenas reafirmando convicções, mas expressando gratidão. Agradeço, de modo especial, ao meu querido Zé Nivaldo, cuja abertura generosa ao debate de ideias tornou possível esta troca com Natanael Sarmento. Foi ele quem, com a elegância intelectual que o distingue, me apresentou este articulista como “uma das expressões nacionais do pensamento marxista”.

Esse gesto, longe de ser mero comentário, contém duas lições profundas. A primeira: a relevância de um texto não se mede apenas pelos aplausos que recebe, mas também pelas críticas que desperta. Se meu ensaio A Europa perdida de si mesma mereceu contestação de uma voz marxista, isso apenas simboliza que as ideias ali expostas tocaram fundo no tecido do debate público. A segunda: não há diálogo verdadeiro sem diversidade de pensamentos. Como lembrou Zé Nivaldo: “Viva a diversidade de pensamentos”. É nesse choque de perspectivas que a filosofia encontra sua vitalidade, e é nesse contraste que a democracia se purifica.

Por isso, longe de ver em Sarmento um adversário a ser derrotado, vejo nele um interlocutor que me ajuda a depurar argumentos, a fortalecer convicções e a clarificar distinções. O marxismo que ele representa é parte da história intelectual do Ocidente; discordo de suas premissas e de suas conclusões, mas reconheço nele a utilidade dialética de provocar respostas mais lúcidas. O contraditório, quando honesto, é mais pedagógico do que qualquer aplauso.

Agradeço, assim, não apenas pela oportunidade de defender minhas ideias, mas pelo privilégio de fazê-lo num espaço que honra o confronto respeitoso. O Poder de Pernambuco, sob a condução de Zé Nivaldo, mostra que ainda existem redutos onde se entende que a imprensa não deve ser unanimidade, mas arena de vozes. Nesse sentido, a pluralidade não é ameaça, mas antídoto contra o pensamento único.

E aqui volto ao cerne do meu ensaio: o Ocidente só sobreviverá se souber afirmar suas raízes. Israel não tem que pedir desculpas por existir; a Europa não precisa envergonhar-se de Atenas, Roma e Jerusalém; e nós, no Brasil, não devemos renunciar ao direito de pensar em liberdade, mesmo quando isso incomoda. Pedir desculpas por existir é a forma mais cruel de servidão voluntária; resistir, ao contrário, é o gesto supremo da liberdade.

Por isso, a contestação de Sarmento não é derrota, mas confirmação. Se há quem se incomode com a lembrança das raízes, é sinal de que elas ainda falam. Se há quem reaja, é porque a ideia ressoa. E se há quem tente apagar essa memória, é porque sabe, no fundo, que sem ela não há futuro.

No fim, não escrevo para convencer os que já têm suas convicções imutáveis, mas para dialogar com aqueles que, no silêncio da leitura, reconhecem o valor da lucidez. A estes dedico minha gratidão — e a certeza de que só uma civilização que debate, resiste e recorda pode ainda ousar construir o futuro.

Assim, agradeço ao amigo Zé Nivaldo pelo convite ao diálogo, a Sarmento pela crítica que me obriga a afiar a espada da razão, e ao leitor pela paciência de percorrer comigo este caminho. Pois é nesse encontro de vozes, contrastes e perspectivas que a filosofia cumpre sua missão mais elevada: não apenas ensinar (docere), mas também encantar (delectare) e, sobretudo, mover o espírito (movere).

E se alguma lição deve permanecer após estas páginas, que seja esta: não há civilização sem memória, não há liberdade sem raízes, não há futuro sem coragem de existir.

*Jorge Pinho é advogado, ex-PGE do Amazonas e pensador.

NR - Os textos assinados refletem a opinião dos seus autores. O Poder acolhe e estimula o livre e democrático confronto elevado de ideias.

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