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As aventuras de Cacimba 8 — O pecador em voz alta

04/10/2025 -

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Por Zé da Flauta*

Cacimba chegou em Pesqueira montado num jegue magro e cheio de razão. Era dia de feira, e a cidade fervia de peixe seco, farinha e promessa. Trazia nos ombros os inseparáveis macacos, Simão com um terço enrolado na mão, Sebastião com um rosário na cabeça, achando que era chapéu.
Logo na entrada da cidade, Cacimba viu a torre da igreja apontando pro céu e disse:
— Antes de aprontar, vou me confessar. Não gosto de pendência com o além.

Entrou na Igreja Matriz de Santa Águeda, que cheirava a vela derretida e confissão mal resolvida. O padre, velho cansado com cara de quem já ouviu de tudo, apontou o confessionário.
— Entre, meu filho.

Mas Cacimba ficou em pé no meio da igreja e respondeu:
— Eu não sou homem de cochicho, padre. Meus pecados foram cometidos em praça pública e é em voz alta que vou remediar.

O padre arregalou os olhos, mas antes que dissesse qualquer coisa, Cacimba começou:
— Perdoe-me, Senhor, porque num domingo em Arcoverde, troquei o vinho da missa por uma garrafa de jurubeba. O padre desmaiou na segunda taça.

Os fiéis se entreolharam, curiosos.
— Perdoe-me por ter me deitado com três irmãs em Triunfo. Tudo na mesma noite, num mesmo colchão de palha. Uma me amava, a outra me estudava e a terceira dizia que eu era santo. Erradas não tavam.



O padre pigarreou, mas Cacimba seguiu:
— Perdoe-me por mentir em nome de São Longuinho. Disse que ele me ajudou a achar uma nota de cinquenta que eu mesmo tinha escondido no sapato. Fiz promessa, não paguei, e ainda usei o dinheiro pra jogar no bicho. E perdi.

Os macaquinhos batiam palmas como se fosse sermão de domingo. Simão anotava os pecados num bloquinho. Sebastião abanava Cacimba com a batina do sacristão que tinham "pegado emprestado" na entrada.
— E perdoe-me, meu Deus, por ter me passado por frei, padre, pastor e até por bispo itinerante, só pra comer nas casas das beatas. Em minha defesa, eu levava a palavra... ainda que com um pouco de farinha e carne de sol.

O padre já chorava, rindo sem querer.
— Meu filho... isso não é confissão, é uma autobiografia profana!
— Pois então, padre, disse Cacimba, que Deus me absorva ou me aproveite, mas não me ignore. Porque até meus pecados têm poesia.

No fim, foi convidado pra almoçar na casa da zeladora da igreja, que jurava tê-lo visto num sonho. Comeu galinha de capoeira, benzeu a panela e saiu da casa dizendo:
— Agora sim, tô limpo. Vamos pecar de novo, com estilo.

*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.



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