
Heroísmo de Fred Mocock reconhecido pelo exército 55 anos depois
04/10/2025 -
Corria o ano de 1970. Governo Médici. Em junho, o Brasil conquistou o tricampeonato mundial. Em julho, as águas do Rio Capibaribe tomaram de assalto, de surpresa, a cidade do Recife.
Por que a surpresa?
Depois das enchentes de 1966 e 1967, relativamente pequenas, em relação ao que viria depois, o Governo de Pernambuco, com Eraldo Gueiros indicado pelos militares, construiu a barragem de Tapacurá. Apresentada como a grande solução para os problemas das enchentes. "Cheia no Recife, agora, só se os recifenses deixarem as torneiras abertas", dizia a propaganda da obra. Ironia: enquanto a água inundava grande parte da cidade, o comercial passava à exaustão, nas televisões e nas emissoras de rádio.
Vidas e bens
No Recife, as águas do Capibaribe causaram grande destruição. Somando-se os impactos, na capital e interior, 500 mil pessoas foram atingidas e 150 morreram; 1.266 casas foram destruídas em 28 cidades. Só no Recife, 50 mil pessoas ficaram desabrigadas. Foi uma calamidade.
O CPOR
Fica em Casa Forte, bairro alto, embora ribeirinho. Mesmo assim, algumas áreas mais baixas foram atingidas. Os serviços nos dois quartéis do Exército, na área, foram suspensos. A cidade estava intransitável. Mesmo assim, alguns soldados, alunos e oficiais que moravam mais perto e conseguiam transitar, se apresentaram para ajudar em alguma coisa, somando-se aos que estavam de serviço e não tinham como retornar aos lares. Um desses alunos foi exatamente Robert Frederic Mocock, o aluno Frederic, da arma da Infantaria. Tratado pelos colegas como Fred ou 'Mococa'.'

Soldado no quartel
Quer serviço. Ainda mais naquelas circunstâncias. Fred assumiu o comando de uma pequena guarnição, mobilizada para atender emergências e ajudar pessoas em dificuldade. Lá para as tantas, bateu a fome. A intendência não estava funcionando, faltava comida no quartel. Souberam que uma padaria, no bairro vizinho do Parnamirim, estava servindo lanches. Lá se foram Fred e seu grupo em busca de matar quem estava lhes matando. O canal que separa Casa Forte do Parnamirim já tinha transbordado, mas a travessia, na ida, foi relativamente tranquila. Só que, na volta, as águas tinham subido muito.
Alguns rodoviários e bombeiros que estavam presentes no então existente batalhão da Polícia Rodoviária Estadual, deram as orientações para a perigosa travessia. Para quem conhece bem o Recife: o canal era muito mais largo e caudaloso do que é atualmente. Ocupava uma área onde hoje está o Shopping Plaza até parte do atual McDonald, do outro lado.
Ajudar civis
Bem orientados, Fred e seu grupo de comandados ajudaram muitos civis que ficaram ilhados e queriam retornar aos seus lares. Todos atravessaram em segurança. Quando chegou a vez do próprio grupo concluir a travessia, a correnteza estava cada vez mais forte.
Fred puxou a fila, caminhando corretamente na diagonal contra a correnteza. Só que, por infelicidade total, o soldado Lopes - José Lopes da Silva, pisou em falso, perdeu o equilíbrio e foi levado pela correnteza.
Esqueceu as regras
Fred, desesperado, gritava "boia, boia", mas Lopes não ouviu ou não conseguiu fazer o certo. Soldado veterano, profissional, "engajado" como se dizia, tinha treinamento para circunstância como aquela. A primeira regra de quem é levado pela correnteza é não tentar lutar contra ela. A chance de sobreviver é boiar, se deixar levar até chagar em um ponto seguro. Lopes tentou nadar, foi arrastado, perdeu o controle, desapareceu.
Imaginem o desespero
Fred, um cara alto e atlético, acostumado ao mar de Pontas de Pedras, arriscando a vida, fez vários mergulhos, preso na cintura por uma corda, tentando contato com o soldado desaparecido. Apenas horas depois, mergulhadores profissionais dos bombeiros, mergulhando também amarrados, encontraram o corpo do soldado, tragicamente enganchdo na cerca de arame farpado que margeava o canal naquele trecho logo após o quartel, do lado oposto da atual praça Jornal do Commercio.
Comoção
Foi geral. Um abalo emocional que durou um tempo. Fred concluiu o curso, fez estágios de instrução e entrou para o exército como tenente. Os R2, como são denominados os egressos do CPOR podem servir na ativa por até oito anos, passando depois para a reserva não remunerada. Assim aconteceu com Fred.

Heroísmo
O episódio transformou José Lopes em um símbolo e Fred em exemplo da turma de Infantaria. No final do ano, escolha do nome da turma. Os oficiais propuseram o nome do general Emílio Garrastazu Médici, que ocupava a Presidência da República. Uma puxada de saco monumental. Um grupo de alunos, Fred entre eles, puxou a dissidência e propôs o nome do soldado José Lopes da Silva. O movimento cresceu.
Registre-se que o comandante da época, tenente-coronel Childerico Fernandes de Carvalho, não tomou partido e garantiu eleições limpas. Ganhou o soldado, de lavada. Provavelmente é caso único, desde Guararapes, que um soldado derrota um general. Ainda mais sendo presidente. Ainda mais no auge dos anos de chumbo.
1970. Foi a turma mais gloriosa da história dos CPOR e NPOR.
A medalha
Este ano, 35 anos depois do episódio, o Exército Brasileiro reconheceu o heroísmo, despreendimento e coragem do aluno Frederic e lhe outorgou a medalha Herois de Casa Forte.

Agregador
A liderança de Fred faz com que, 35 anos depois, a turma mantenha uma saudável convivência. Todos estão beirando os 75 anos. Há um almoço mensal, no Círculo Militar.
O característico vozeirão de Fred no grupo do WhatsApp, faz a convocação: "Olá amigos do CPOR de 1970. Aqui quem fala é Frederic. Estou passando para lembrar aos nobres amigos que o nosso grande almoço do mês de...".
O comparecimento é rotativo, alguns moram fora, aparecem uma ou duas vezes por ano. Outros vão quando podem. Mas há sempre um quórum relevante. E sente-se no ar que a camaradagem juvenil, criada no esforço coletivo da caserna, se mantém firme e forte nos cabelos prateados.
—Equipe O Poder

Confira mais notícias
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.
Jornal O Poder - Política de Privacidade
Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos
projetos
gerenciados pela Jornal O Poder.
As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas
apenas para
fins de comunicação de nossas ações.
O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar
diretamente o
usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como
geolocalização,
navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações
sobre
hábitos de navegação.
O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a
confirmação do armazenamento desses dados.
O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus
formulários
preenchidos.
De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados
pessoais.
Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a
Jornal O Poder
implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as
informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.