
O Templo da Loucura Bela - O delírio sagrado de Francisco Brennand
08/10/2025 -
Por Zé da Flauta*
Entrar na Oficina de Francisco Brennand é atravessar um portal. Não se pisa mais no Recife comum, mas em um território suspenso, uma dobra do tempo onde o barro fala e a história sussurra por entre esculturas que parecem seres vindos de um sonho antigo.
O silêncio
O silêncio ali tem som. É o som das mãos que moldaram o impossível, das furnas que ardem lembrando o nascimento do mundo, e das paredes que respiram arte como quem exala alma.
Pedra, tijolo e argila
A primeira impressão é de espanto. Colunas, torres, criaturas híbridas, deuses, mulheres, pássaros, monstros e anjos se misturam num delírio ordenado. Cada peça é um corpo em transe. Cada rosto de barro olha de volta com uma sabedoria que não é deste tempo. E o visitante, pobre mortal, sente-se parte de uma conspiração cósmica, como se tivesse entrado num sonho onde tudo o que era pedra, tijolo e argila resolveu viver.
Fornos e sombras
O chão parece ter memória. As esculturas, guardiãs. O céu, um teto cúmplice da loucura. É uma Babilônia nordestina, um templo pagão erguido à força de gênio e solidão. Francisco Brennand não construiu apenas uma oficina: ergueu um mundo.
Um mundo paralelo onde Eros e Tanatos dançam entre fornos e sombras, e onde o barro, em vez de se conformar ao fogo, se reinventa em eternidade.

Erotismo e encantamento
Ali, a realidade perde contorno. O tempo se dobra, o espaço se dilata e a gente se percebe pequeno diante da grandeza de uma mente que sonhou sem pedir licença. Não há beleza domesticada, há vertigem, espanto, erotismo e encantamento. É como visitar o inconsciente do próprio Recife, aquele que o Atlântico um dia escondeu e Brennand desenterrou com as mãos.
Realidade
Ao deixar a Oficina, o visitante sente que volta para o Recife, mas o Recife não é mais o mesmo. O ar parece mais espesso, o sol mais lento, as paredes da cidade mais banais. Tudo lá fora perdeu um pouco da intensidade que havia dentro. É como acordar de um sonho e descobrir que o sonho era mais real do que a vida.
Razão e loucura
Francisco Brennand viveu enclausurado num delírio lúcido, e nos deu de presente, o mapa de um território onde razão e loucura se abraçam. Sua Oficina é mais que ateliê, é útero e oráculo, é o umbigo ardente de um Recife paralelo.
Lição
E talvez seja essa a maior lição daquele homem que moldava deuses com as próprias mãos, a de que o barro também tem memória, e a eternidade, quando quer existir, escolhe um artista para se hospedar.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.
