
O Recife batizado - Por Roberto Vieira*
08/10/2025 -
A história do Recife, especialmente nas décadas de 1940 a 1960, revela um cenário vibrante de importação e consumo de uísque, que acabou por criar o ambiente perfeito para o contrabando e a falsificação.
As páginas
As páginas da história pernambucana registram o fascínio da elite local pelas marcas escocesas e a grande presença de marinheiros e estrangeiros nos portos. Essa demanda aquecida, combinada com restrições cambiais e impostos, fomentou um submundo de bebidas adulteradas que colocavam a saúde pública em risco.
A polícia
A polícia, na década de 1950, desarticulou quadrilhas que usavam garrafas originais para envasar misturas perigosas, como conhaque, guaraná e café, em uma precursora dos problemas atuais de intoxicação por metanol e os riscos inerentes ao alcoolismo.
1. Metanol
Os casos de intoxicação por metanol (álcool de madeira) continuam sendo um grave problema de saúde pública no Brasil, frequentemente ligados ao consumo de bebidas alcoólicas falsificadas. O metanol é um ingrediente barato e tóxico que, quando metabolizado pelo corpo, causa cegueira irreversível, falência de órgãos e, em muitos casos, a morte.
As vítimas
As vítimas geralmente compram bebidas clandestinas de baixo custo, sem saber que estão ingerindo um veneno. A fiscalização e a conscientização sobre os riscos desses produtos adulterados são cruciais para evitar tragédias que remetem aos perigos já vistos no passado.
2. Recife
A partir de 1940, a capital pernambucana viu uma explosão na oferta de uísque, atendendo tanto a recifenses de posses quanto à grande quantidade de marinheiros e militares estrangeiros. Empresas como Alberto Fonseca & Cia. e Albino Silva Comércio S.A. importavam diversas marcas, como White Horse, Johnny Walker, e Ballantine’s.
Essa profusão de rótulos escoceses e norte-americanos no mercado da cidade refletia uma preferência da elite local pelo destilado, preparando o palco para o contrabando de bebidas em larga escala nas décadas seguintes.
3. Contrabando
O comércio ilegal de uísque prosperou em Recife, impulsionado pelas restrições cambiais impostas no país e pela alta demanda por luxo. O contrabando chegava por meio de pequenas embarcações ou até escondido em navios comerciais e humildes pacotes.
A mercadoria
A mercadoria ilegal era descarregada na costa e revendida no mercado paralelo, com apreensões que somavam milhões de cruzeiros. O gosto pelo destilado se popularizou, e quem não podia pagar o alto preço importado recorria ao mercado clandestino, muitas vezes tornando-se vítima de uma "trapaça criminosa".
4. Falsificação
No início dos anos 50, a polícia desarticulou uma perigosa quadrilha de falsificadores de uísque liderada por Aldo José de Moura. Eles enchiam garrafas originais (com selos removidos de cerveja americana) com uma mistura de conhaque, guaraná, café e água, que era vendida em pensões e bares do centro, como a Pensão Comercial.
O produto falsificado
O produto falsificado era de péssima qualidade, chegando a ser chamado de “bebida falsificada pelo seu sangue” devido à sua cor. A prática continuou, com outras quadrilhas preenchendo o vácuo, mostrando que o risco à saúde era uma constante.
5. Perigo
A história de Recife serve como um alerta atemporal: o risco de consumir bebidas falsificadas, seja o metanol de hoje ou a mistura adulterada de ontem, é letal. As quadrilhas da época visavam apenas o lucro, tratando o consumidor com desprezo, assim como ocorre no comércio ilegal atual.
O perigo
Além do perigo da falsificação, o consumo desenfreado de álcool, que na época se popularizou, é um fator de risco para problemas como o "distúrbio hepático-renal" (cirrose e falência renal), sublinhando o duplo perigo do produto adulterado e do alcoolismo em si. Ou será que você nunca ouviu falar de bebida batizada?
NOTA: Muitas destas informações podem ser lidas no excelente livro YES, NÓS TEMOS COCA-COLA do escritor Frederico Toscano.
*Roberto Vieira é médico e cronista. Preceptor da Residência de Oftalmologia da Fundação Santa Luzia/Casa Forte e da Uninassau.
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