
O que ninguém te contou sobre o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda? - Por Rosa Freitas*
09/10/2025 -
A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, tem sido celebrada como uma conquista da população de baixa renda. No entanto, pouco se discute sobre os impactos estruturais e fiscais dessa medida sobre os entes subnacionais e sobre o próprio equilíbrio das contas públicas. Em um contexto político-eleitoral delicado e marcado por negociações complexas entre os poderes, a medida se insere em uma lógica de popularidade imediata, mas com consequências relevantes no médio e longo prazos. Este texto pretende jogar luz sobre os aspectos pouco abordados dessa política de renúncia fiscal, evidenciando seus efeitos distributivos, federativos e financeiros.
1. O cenário político
A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda não apenas era justa, como já vinha sendo adiada por tempo excessivo. O Congresso Nacional, há um ano das eleições, encontrou pouco espaço político para agir de maneira diferente. De um lado, nenhum parlamentar desejava se opor ao que foi apresentado como um "desejo do povo"; de outro, o governo federal aproveita o momento de popularidade, intensificado após o recente embate comercial com os Estados Unidos.
Nesse cenário, Donald Trump cedeu aos apelos do Brasil e encerrou a sobretaxa de importações — medida impulsionada, na verdade, por pressões de empresários norte-americanos interessados na aquisição de commodities brasileiras.
No mesmo período, o Congresso se viu acuado por outra pauta delicada: a atualização do número de parlamentares na Câmara dos Deputados. Após o veto presidencial, em 16 de julho de 2025, ao Projeto de Lei Complementar n.º 177/2021, não houve ambiente político para a derrubada do veto. Com o prazo do dia 4 de outubro ultrapassado, qualquer alteração só poderá surtir efeitos a partir das eleições subsequentes, nos termos do art. 16 da Constituição Federal.
O Presidente da Câmara solicitou ao Supremo Tribunal Federal a manutenção do número atual de deputados. Com a decisão favorável, postergou-se o problema. Em Pernambuco, haveria perda de uma vaga na Câmara Federal e outra na Assembleia Legislativa, mas a questão foi adiada. Já o Estado do Pará — autor da ADO 38 —, apesar do crescimento populacional expressivo nas últimas décadas, continuará subrepresentado politicamente.
2. Debate sobre as consequências do aumento da faixa de isenção
Retornando ao tema do IR, é importante destacar os que mais serão afetados pelo aumento da faixa de isenção: os Estados e municípios. A Constituição Federal (art. 159) determina o repasse de 21,5% da arrecadação do IR aos Estados e de outros 22,5% (acrescidos de 1% em julho, setembro e dezembro) aos municípios. Além disso, os entes subnacionais também são titulares do produto da arrecadação incidente sobre os rendimentos de seus servidores e fornecedores (arts. 157 e 158, CF).
Ainda que prejudicados, Estados e municípios não têm legitimidade ativa para questionar a redução dos repasses, já que não são os titulares do imposto. A União justifica a renúncia fiscal com promessas de compensação, conforme exige a Lei de Responsabilidade Fiscal — ora mediante aumento da tributação nas faixas superiores de renda, ora pela cobrança sobre operações e investimentos financeiros hoje subtributados.
Apesar de a tributação sobre a alta renda não parecer injusta, ela não será isenta de consequências. A elevação da carga tributária sobre instrumentos de captação de recursos tende a aumentar o custo do crédito. Soma-se a isso o impacto futuro da Reforma Tributária: a partir de 2026, os serviços financeiros também estarão sujeitos ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o que igualmente elevará o custo do crédito. Essa transição ocorrerá justamente quando as empresas estarão começando a lidar com os efeitos do novo regime de pagamento fracionado (split payment).
3. Renúncia de receita
Sem garantias de que a mitigação proposta será suficiente para compensar a renúncia de receita, os entes federativos que dependem do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) enfrentam incertezas quanto ao custeio de serviços públicos e à realização de investimentos nos próximos anos.
Nesse cabo de guerra entre o Executivo e o legislativo federal, debates estruturantes e transparentes sobre medidas de impacto profundo acabam relegados ao segundo plano. Enquanto isso, o governo precisava garantir a aprovação da Medida Provisória n.º 1.294/2025 para compensar os efeitos da nova faixa de isenção e evitar desequilíbrios orçamentários em pleno ano eleitoral. Sem conseguir a maioria, o orçamento de 2026 fica comprometido.
Tópicos principais abordados na conclusão
• Impacto da ampliação da faixa de isenção do IR sobre os repasses a Estados e municípios;
• Ausência de legitimidade ativa dos entes subnacionais para questionar judicialmente a renúncia fiscal;
• Compensações previstas pela União e seus limites efetivos;
• Efeitos indiretos sobre o custo do crédito e investimentos;
• Risco de desestruturação orçamentária para 2026 com a retirada da MP 1.294/2025 da pauta;
• Falta de debate público e transparente sobre os impactos federativos e econômicos do aumento da faixa de isenção do IR.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Atualizada até a Emenda Constitucional n.º 132, de 2023.
BRASIL. Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade Fiscal: estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 5 maio 2000.
BRASIL. Medida Provisória n.º 1294/2025. Altera a tabela progressiva mensal do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1º jul. 2025.
BRASIL. Projeto de Lei Complementar n.º 177, de 2021. Altera a composição da Câmara dos Deputados com base nos dados do Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br. Acesso em: 8 out. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Brasil). Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n.º 38 – Pará. Relator: Min. [nome do relator, se quiser acrescentar]. Brasília, DF, 2025.
*Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", "Gestão Municipal de Residuos Sólidos" e "A reforma tributária e suas implicações nas compras governamentais e serviços públicos", Editora Igeduc.
NR - Os artigos assinados refletem a opinião dos seus autores.