O Pão da Poesia

Não é
dedo de Deus
reflexo de espelho
resultado matemático.

Mas
viagem solta
abismo
pluma
névoa
incandescência
pés na terra
mão na estrela
olhos além
infinito
beleza que se reparte:
o não milagre da arte.

Poesia
pão de nuvem
nuvem-pão
na nossa mão.


A Coisa que Falta

Procuro a coisa que falta.
Ela anda ou ela salta?
Será baixinha ou é alta?
Anda sozinha ou em malta?

A coisa que falta
é muito presente
me deixa ansioso
disperso carente
a terra tratada
sem ter a semente.

Apalpo esta ausência
que tanto maltrata
meu peito ferido
o sangue desata
com os voos vazios
da coisa que falta.

Sei que ela está perto
rondando meus passos
platéia constante
dos meus embaraços
porém não me deixa
cair nos seus braços.

É um desespero
se viver assim
não sei o que ela
deseja de mim
se me tem amor
se quer o meu fim.

Ela é meu tormento
mistério e anseio
distancia e muro
contato enleio
carícia afago
soco tiroteio.

Assim é que vivo
em tensa ribalta
chaga nervo exposto
tema presa e pauta
nos planos secretos
da Coisa que Falta.

Zeus e Prometeu
ó Cristo na Cruz
santa Joana D´arc
me deem uma luz
Herzog e Spartacus
tirem-lhe o capuz.

Quero ver sua face
na clara manhã
quebrar o mistério
morder a maçã
saber se é madrasta
amante ou irmã.

Somente assim
eu serei feliz
tocarei o fruto
o caule a raiz.
E a coisa que falta
o que é que me diz?


*Marcelo Mário de Melo, ex-preso político, jornalista e poeta. Seu lema é: "Só ultrapasse pela esquerda".