
É Findi - Encontro de Rios - Poema, por Lília Gondim*
11/10/2025 -
Tão doce quanto suas águas
que num antigo varadouro
abrigaram a galeota,
se espraia o rio beberibe...
tem memórias de prisão:
sua rota limitada por pedra de cantaria,
disfarçada por dez arcos
(que obra de engenharia!)
donde sua água escorria
por dezoito lindas bicas
e fugia em muitos barcos.
Se espraia o beberibe
e corre, foge, liberto
em direção ao recife;
seu roteiro não se inibe,
vai em busca de um encontro,
pois há muito marcou ponto,
com o rio capibaribe.
Vai seguindo seu destino,
rente ao forte do buraco
mas estanca em desatino:
apesar de tanto mato,
de tanta falta de trato,
se banhando em suas águas
revê madame bruyne
curtindo flamengas mágoas.
Atrás de si deixa morros,
beleza que nunca finda:
eterna villa d’olinda ...
alcança em breve as areias
das terras fora de portas.
Com tristeza repentina
pressente o sangue no chão,
vermelho, no pelourinho
chamado cruz do patrão.
Agita-se em desalinho,
malassombros vagam, choram,
gritam ais, estendem a mão,
e o rio, que nem menino,
se assusta e molha o chão
onde foram espancadas,
torturadas e enterradas
as vítimas da escravidão!
Ferve a vergonha em seu peito,
e sonha ver branca vela
de barcaças noutro rio,
lá no poço da panela:
é o moço mariano,
junto com dona olegária,
defendendo os homens negros,
dando fuga, proteção,
pondo fim à humilhação ...
Mas surge o capibaribe,
serpenteando, barrento,
se arrastando pelo mangue,
se torcendo, quase exangue,
apesar de ter bebido
todo aquele mar de sangue
que num passado perdido
jorrou de heroicas batalhas
(invasor ou insurreto
em seu leito fez mortalha).
Trombando em febril abraço
celebram aquele encontro,
há muito tempo agendado,
em toda sua grandeza,
bem no local que o friburgo
virou campo das princesas...
espraiam-se no cais d’alfândega
lembrando a primeira ponte,
de madeira, a se alongar;
sobre ela em grande pândega,
um povo inteiro enganado
que esperava um boi voar...
Já no fim da trajetória,
bem na ponte giratória,
os nosso rios fazem história:
misturando as suas forças,
vem doçura, vem tristeza,
revivem tudo o que um dia
mergulhou na correnteza,
e unidos seguem seu rumo,
como manda a natureza.
E, como sempre, embalados
em doce e suave cântico
geram em seus ventres molhados
um mar, o oceano atlântico.
Foto de Roberto Caminha
*Lília Gondim, é economista, funcionária pública estadual aposentada, escreve contos, crônicas e poemas.
