
As aventuras de Cacimba 9 — O mascate de coisas que ninguém imaginou
11/10/2025 -
Por Zé da Flauta*
Certa feita, Cacimba chegou numa cidade que não existia nem nos mapas: São Rompe-Toco do Norte. Desceu do ônibus com uma mala, uma caixa de feira, dois macaquinhos e um megafone velho amarrado com barbante. Botou o banquinho na sombra da igreja e começou a gritar:
— "VENHO DE LONGE, TRAGO COISA RARA! FREIO A DISCO PRA GATO BRABO, PENA ANTIALÉRGICA DE AVESTRUZ, CAIXA DE PREGUIÇA EM PÓ E PASTILHA DE MEMÓRIA PRA VEREADOR ESQUECIDO!"
A primeira a se aproximar foi uma senhora de vestido florido, perguntando o que era "pedra de amolar pincel".
— “Minha filha, serve pra artista que tá com a inspiração cega! Amola a criatividade na hora”, disse ele, com um dos macacos abanando o rosto da moça e o outro mostrando uma demonstração de como usar.
Logo, um rapaz interessado quis saber sobre o “capacete para sonâmbulo noturno com GPS embutido”.
— “É pra quem anda dormindo e sonha em se encontrar”, respondeu Cacimba, mostrando um escorredor de macarrão com luz de bicicleta colada.

O povo foi se juntando, encantado com tanta besteira dita com tanta convicção. Ele vendia:
Spray de coragem pra declarar amor
Lanterna que clareia pensamento ruim
Tampa de panela invisível
Filtro de água pra mentira política
Cantil com voz de mãe pra quem mora só
Semente de sombra pra plantar descanso
E tinha até uma promoção:
— "Leve dois olhos de ver melhor e ganhe um espelho que mostra quem você é de verdade!"
A cidade parou. Ninguém queria mais ir ao banco, à escola ou ao açougue. Todo mundo queria um pedacinho da maluquice de Cacimba. Os dois macacos anotavam os pedidos, organizavam a fila, e às vezes subiam no telhado pra jogar confete imaginário.
Quando o prefeito foi tentar impedir a bagunça, Cacimba lhe vendeu uma “bússola de decisão honesta”.
— “É só girar e aceitar o que ela mandar.”
Na hora, a bússola girou e apontou pra igreja.
— “Tá vendo? Deus tá de olho!”
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.
