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Uma chacina. A outra face da moeda da Guerra do Paraguai

11/10/2025 -

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Mário Carabajal*

A Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870), travada entre Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai, permanece, mais de 150 anos depois, como um dos episódios mais brutais da história latino-americana. Longe de ser um ato de glória, como durante décadas foi narrado pelos vencedores, trata-se de um genocídio que dizimou cerca de 60% a 70% da população paraguaia — incluindo mulheres, crianças e idosos — e destruiu um país em ascensão econômica, social e tecnológica. É mais justo, portanto, renomear este marco como “Episódio da Vergonha da Tríplice Conspiração”, pois expressa a realidade de interesses escusos, manipulação política e crimes contra a humanidade.

As Origens: Temor aos Avanços do Paraguai

O Paraguai do governo de Francisco Solano López vivia, à época, um processo de notável desenvolvimento autônomo. O país possuía:
• Uma das primeiras linhas ferroviárias da América do Sul (1861);
• Metalurgia própria, com fundições no Arsenal de Assunção;
• Alto índice de alfabetização popular em comparação a vizinhos;
• Uma economia em parte independente das potências britânicas, maiores credoras dos impérios regionais.
Esse modelo de desenvolvimento nacionalista e autossuficiente, sem submissão ao capital estrangeiro, despertou temor nas elites agrárias e escravocratas do Brasil, nas oligarquias portenhas da Argentina e nos grupos dominantes do Uruguai.
A Conspiração e a Brutalidade da Guerra
Sob forte influência e financiamento britânico — interessado em manter o continente submisso ao seu comércio e endividado por empréstimos —, o Brasil, Argentina e Uruguai uniram-se contra um país muito menor.

Números do massacre

• A população paraguaia caiu de cerca de 1,3 milhão para menos de 500 mil? habitantes ao final da guerra.
• Cidades inteiras foram arrasadas e campos cultiváveis incendiados.
• Estupros sistemáticos de mulheres paraguaias foram relatados por missionários estrangeiros e cronistas da época.
• Crianças foram utilizadas como combatentes, algumas inclusive na trágica Batalha de Acosta Ñu (16 de agosto de 1869), em que milhares de meninos foram massacrados por tropas imperiais.



Alerta para o presente

Observamos ‘alguma’ semelhança do Brasil atual, protagonista no multilateralismo Global, e o Paraguay à êpoca. Ambos, pretensamente independentes, soberanos, democráticos e democráticos. Observem esta associação, de forma contundente, na nota, para este artigo, especialmente produzida por Dinalva Carabajal:
“À luz da verdade histórica, este episódio contra o Paraguai deve também servir como alerta ao presente. As motivações que levaram ao massacre — o temor das elites regionais diante de um projeto autônomo, soberano e voltado ao bem comum — encontram paralelos possíveis e indesejados no cenário internacional contemporâneo. Assim como o Paraguai ousou afirmar-se no século XIX, hoje o Brasil, ao defender pautas de multilateralismo, justiça climática e protagonismo solidário nas campanhas globais, pode despertar reações hostis de potências que veem tais movimentos como ameaça a sua hegemonia, em especial os Estados Unidos.
Não se trata de prever guerra, mas de advertir que as forças de dominação seguem vivas e que é dever dos povos e das instituições internacionais fortalecer mecanismos de diálogo e respeito mútuo, para que nunca mais se repita uma tragédia como a do Paraguai.” (Bacharel Dinalva Carabajal – Diretora Global/ ALB Humanitária)
Na nota de Dinalva, clarifica-se a contextualização associativa motivacional de congruência histórica entre o Brasil e Paraguay, com políticas e sonhos de independência das diretrizes dominantes globais. Se à época o comando financeiro se fazia britânico, nos dias atuais, nos mesmos moldes, o detém os Estados Unidos da América.



Falsos Heróis: da Glória Militar ao Crime de Guerra

Figuras celebradas nas narrativas oficiais brasileiras, argentinas e uruguaias — como Duque de Caxias, Bartolomé Mitre, Venancio Flores e Conde d’Eu —, sob análise crítica contemporânea, devem ser entendidas como responsáveis por crimes de guerra.
• Duque de Caxias (Luís Alves de Lima e Silva): exaltado no Brasil como “pacificador”, foi comandante-chefe das tropas imperiais e não apenas conduziu a guerra até a rendição paraguaia, como também aceitou a destruição sistemática de vilas, lavouras e o uso de crianças como combatentes inimigos. Importante destacar que, em 1866, o Imperador D. Pedro II, chefe de Estado e comandante supremo do Exército, outorgou a Caxias poderes praticamente ilimitados, respaldando sua estratégia de levar a guerra “até as últimas consequências”. O gesto imperial legitimou a política de terra arrasada e a continuidade do extermínio, mesmo quando havia condições de firmar a paz. Alfredo d’Escragnolle Taunay, oficial e cronista da guerra, registrou: “Não era batalha, era matança, onde até os meninos de peito serviam de alvo”*.
• Bartolomé Mitre: presidente argentino e comandante das tropas aliadas nos primeiros anos do conflito, responsabilizou-se por massacres de populações civis paraguaias nas regiões fronteiriças. Em carta a seus generais, justificava a guerra como missão civilizatória: “É guerra da civilização contra a barbárie”*. Essa retórica ideológica serviu para encobrir a violência contra aldeias indefesas.
• Venancio Flores: presidente uruguaio e aliado direto do Império do Brasil, destacou-se por ordenar pilhagens e execuções sumárias em territórios ocupados. Relatos de missionários e civis denunciavam abusos. George Frederick Masterman, testemunha estrangeira, escreveu: “As tropas de Flores deixavam atrás de si rastros de sangue, estupro e ruínas, e nenhum freio lhes era imposto”.
• Conde d’Eu, Gaston de Orléans, francês, comandante do Exército Brasileiro e genro de Dom Pedro II — casado com a princesa Isabel —, teve papel decisivo nas fases finais da Guerra do Paraguai. Sua liderança, marcada por rigidez e espírito de vingança, acentuou o caráter brutal do conflito, que já assumia contornos de extermínio. Ao suceder o Duque de Caxias, o Conde d’Eu conduziu as tropas da Tríplice Aliança em campanhas devastadoras, notadamente na ofensiva de perseguição a Solano López e nas operações que resultaram em massacres de civis paraguaios. Sua responsabilidade, ainda que compartilhada com os governos aliados e a própria lógica imperial da guerra, inscreve-o na história como um dos protagonistas da tragédia humanitária que dizimou grande parte da população do Paraguai, expondo o lado sombrio da glória militar do Império brasileiro.
A aura heroica atribuída a esses nomes escondeu por décadas o caráter vergonhoso de suas ações, camuflando crimes de guerra sob o manto de vitórias militares.
Verdadeiros Heróis: Quem Negou a Barbárie
Pouco mencionados, existiram também militares, diplomatas e religiosos que se recusaram a participar da carnificina.
• O Barão de Maracaju (José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco), embora envolvido na diplomacia do período, registrou críticas à extensão da guerra.
• O Médico francês Georges Frederick Masterman, residente no Paraguai, deixou relatos detalhados sobre o sofrimento da população civil, denunciando os crimes de guerra.
• O Padre Fidel Maíz, intelectual e religioso paraguaio, condenado ao exílio, recusou-se a legitimar massacres e defendeu o povo em cartas históricas.
• Princesa Isabel, sem poderes decisionais à época, manifestou grande insatisfação com a Guerra, abrindo fissuras de opiniões e desgastes no seio da família imperial.
• Soldados brasileiros e argentinos anônimos, cujos nomes se perderam na memória oficial, chegaram a desertar ou se negar a executar ordens de exterminar crianças e civis — gestos de dignidade raros em meio ao horror. Esses são exemplos de que, mesmo em meio à violência sem limites, houve vozes e ações de humanidade. Eles representam os verdadeiros heróis, distintos daqueles celebrados nos livros oficiais.



Pela Justiça Histórica: da “Vitória” à “Vergonha”

É imperativo que as narrativas históricas, ainda ensinadas em escolas e comemoradas em desfiles, sejam revistas. Não houve vitória. Houve uma chacina — uma tragédia coletiva. É hora de substituir o mito de glória pela verdade do “Episódio da Vergonha da Tríplice Conspiração”. Essa revisão não é mero capricho historiográfico: é um dever moral, pois somente reconhecendo a brutalidase é possível caminhar para uma América Latina mais justa, baseada na solidariedade entre povos, e não na exaltação de massacres.

Reflexão

A memória não deve ser construída sobre mitos de sangue, mas sobre a coragem da autocrítica. Que as futuras gerações possam aprender que o verdadeiro avanço humano não reside em vitórias militares, mas na capacidade de assumir erros históricos e transformá-los em lições de humanidade.

*Mário Carabajal é especialista em Pesquisa Científica, mestre em Relações Internacionais, doutor em Ciências Educacionais, pós-doutor em Filosofia. Vinte e quatro livros publicados. Presidente fundador da ALB – Academia de Letras do Brasil.
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