
O Milagre dos Aflitos Por Roberto Vieira*
13/10/2025 -
O relógio registrava 16 horas do dia 11 de outubro de 2025. Aniversário de 93 anos da sua mãe, a responsável direta por essa angústia que lhe afligia o peito e cobrava seus 61 anos de paixão pelo futebol - não, mais que isso - pelo Clube Náutico Capibaribe. Ela era a gentil responsável por ele estar ali na sala de casa, assistindo “Bohemian Rhapsody”, quando milhares de seus compatriotas estavam no campo de batalha.
O silêncio cruel
O silêncio cruel turvava o entardecer das ruas em torno do estádio. Nenhum som, nenhum lampejo de felicidade. Freddie Mercury começa a cantar “We are the Champions” e, no meio do “I paid my dues”, um grito explode no Recife. “É gol, meu Deus! Estamos vencendo!” Mas e a Macaca? O tempo passa e ele não liga o celular, desliga a televisão, vai se refugiar no quarto escuro. “Celular dá azar.”
Barulho
Pelo barulho da porta fechada, ele percebe que um dos filhos voltou da AABB, também mortificado. “Futuro cardiopata não será, nenhum alvirrubro é.” Com a luz apagada, ele pensa: “Nunca fiz isso. Nunca rezei para que Deus e Nossa Senhora ajudassem o Náutico. Seria heresia. Deus e Nossa Senhora têm muita coisa para tomar conta: Israel, Gaza, Ucrânia, Corina, Ruanda, milhões de pessoas sofrendo.
Desculpe, meu Pai. Vou rezar, ele se diz. E começa a rezar um Pai-Nosso atrás do outro, naquele quarto escuro. Os filhos. Ele reza pelos filhos e pela mãe de 93 anos, que é culpada por tudo isso que está acontecendo nesse instante. Mas o que é mesmo que está acontecendo nesse instante se o silêncio é sepulcral? Nem barulho de vento nos ares dos Aflitos e Jaqueira.
O Brusque deve ter feito um gol. Mas logo Brusque, cidade dos irmãos Appel, Zendron e Engel! Cidade que ele ama tanto. Perdão, Brusque e amigos. Pai Nosso que estás no… Um grito de gol rompe pelo infinito. O filho grita gol e salta nos seus braços. “Calma, filho. Calma. Restam milhares de segundos. O juiz. O destino. As Escrituras. Deus.”
Endoidou
Ele deixa o filho e se tranca novamente no quarto. Da sala, vem a frase jocosa da esposa tricolor: “Endoidou!” “Pai Nosso que estás no Céu…” Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze minutos de infâmia. Ele não sabe nada desses onze minutos. Ele reza. Uma lembrança de que o dia seguinte é o dia de Nossa Senhora da Aparecida transcorre em seu desatino. Gritos. Fogos. Deus.
O filho corre novamente para seus braços. E o pai, cansado como se tivesse escalado Monte Castelo e Montese, também acha que, realmente, milagres existem. Não fosse o bairro dos Aflitos batizado exatamente por essa fé que anima nossa Igreja e um certo Clube Náutico Capibaribe. Não fosse nosso técnico dos Anjos. Não fosse nossa madrinha, a outra Nossa Senhora: a Nossa Senhora da Conceição.
NOTA: Muitos dos conhecidos desse torcedor dirão que essa paixão é algo completamente descabido. Uma loucura. Um desvario. Uma insanidade. E são. Nosso amigo dirá que todos esses amigos não sabem o que estão perdendo. O futebol é o momento mais sublime da criação. Amém.
*Roberto Vieira é médico e cronista.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores