
Entre o homem e a máquina - A música na era da Inteligência Artificial Por Zé da Flauta*
16/10/2025 -
Desde que o homem descobriu que podia transformar emoção em som, a música passou a ser o espelho da humanidade. Mas há um mito persistente, o da criação pura, do artista que “tira do nada” sua obra. Ora, sempre tivemos a ilusão da originalidade. Nenhum compositor nasce no vácuo.
O frevo
O frevo traz ecos de dobrados militares e batuques africanos, o blues nasceu do lamento dos campos, o jazz se alimenta da dor e da invenção. Tudo é herança, mistura, metamorfose. Os artistas humanos sempre foram algoritmos sentimentais, absorvendo, recombinando e reinventando o que já ouviram.
A diferença é que, enquanto a IA processa dados, nós processamos emoções.
cálculo e coração
A inteligência artificial busca padrões, o músico busca sentido. A máquina não sonha, mas sabe repetir a melodia de um sonho. Ela não sente saudade, mas pode imitar um violão triste. Quando uma IA compõe, ela reorganiza o passado. Quando um artista compõe, ele reinventa o presente. Ambos se nutrem do que já existiu, mas um o faz por cálculo, o outro por necessidade existencial.

O artista
O artista que compreender isso não será substituído, será multiplicado. A IA é o novo instrumento, talvez o mais poderoso, mas continua esperando quem saiba tocá-la com poesia e sentimento. Talvez estejamos inaugurando um tempo em que a autoria se tornará colaborativa, difusa, como uma grande roda de coco cósmica, onde cada voz acrescenta um pedacinho de som à eternidade.
O novo criador
O artista do futuro, que já é o artista do agora, não será substituído pela IA. Ele será seu maestro. A ferramenta está posta, e cabe ao humano dar-lhe rumo, emoção e propósito.
Assim como o sintetizador ampliou a linguagem musical nos anos 1960, os algoritmos de hoje podem abrir novas janelas sonoras. Mas, como sempre, o essencial continuará invisível, o toque humano, o saber pedir, o prompt perfeito que transforma um som em sentimento.
O ar da emoção
O humano cria para se expressar, para lidar com a dor, o amor, o mistério. A IA cria para cumprir uma função, sem afeto nem intenção, embora possa simular ambos com maestria. Ela pode estar, paradoxalmente, devolvendo a música à humanidade, dissolvendo fronteiras entre autor e público, ela é como um pífano sem sopro, só ganha vida quando um ser humano lhe sopra o ar da emoção.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.
