
A química e o charco - Crônica para um Brasil de espelhos Por Jorge Pinho
17/10/2025 -
“Há elogios que não elevam — apenas espalham o cheiro do pântano.”
Há frases que o vento leva, e há outras que, por vergonha alheia, permanecem suspensas no ar, como um cheiro difícil de dissipar, provavelmente provocado por incontinência do aparelho digestivo.
O país reagiu
Quando Lula soltou, entre um sorriso e outro, que “rolou uma química” com Trump, o país reagiu com aquele riso leve dos que não enxergam o abismo — e a imprensa, fiel ao orçamento que a sustenta, tratou a frase como anedota, quando era, no mínimo, um escândalo semanticamente confessado.
Porém, certas frases, como fósseis de criatura primitiva, só interessam não pelo valor, mas pelo que nos permitem concluir sobre a natureza do organismo que as expeliu.
“Química” é palavra de alcova. Não pertence à liturgia dos Estados, mas ao vocabulário dos salões menores e das narrativas de vaidade. Presidentes falam de cooperação, entendimento, interesse mútuo. “Química” é a expressão de quem trata a cena internacional como extensão de sua biografia de botequim.
E aqui, a comparação se impõe com desconforto quase literário.
Relatou
De um lado, Lula — que, em entrevistas públicas, relatou ter iniciado a vida sexual com animais, e que, sem o menor pudor, se gabou de ter tentado abusar de um companheiro de cela durante a Ditadura, como se a violência sexual fosse prova de masculinidade revolucionária.
O homem
O mesmo homem que, segundo registros amplamente divulgados na internet, preso em Curitiba, recebia a namorada disfarçada de advogada para encontros íntimos - e que, não satisfeito, ainda mantinha o turno paralelo de sua amante oficial, sobre a qual declarou, com aquele machismo de botequim tratado pela imprensa como “pitoresco” e não como degradação simbólica, que “a gente costuma tratar a amante melhor que a própria mulher” - converteu o sistema penal brasileiro em vaudeville erótico financiado pelo contribuinte, enquanto a mídia, convenientemente irrigada por verbas públicas, descrevia tudo como um detalhe romântico da resistência, e não como um escárnio institucional.
Personagem
Do outro lado, Trump — personagem ruidoso, polêmico, mas oriundo de outra liturgia: bilionário de hábitos dourados, casado com mulheres ícones de beleza e projeção midiática, afeito ao escândalo de joias e tapetes vermelhos, não ao escárnio do curral e da cela.
E então, diante das câmeras, Lula anuncia: “Houve uma química.”
Não há alinhamento. Não convergência diplomática. Química. A mesma palavra usada por adolescentes para descrever flertes mal resolvidos em festas de interior.
Simbolicamente arrastado
Trump, nesse instante, é simbolicamente arrastado para dentro do vocabulário emocional de alguém cuja biografia mistura cadeia, erotização da política e desrespeito institucional.
Uma frase que agride em duas direções.
Primeiro, agride o próprio Lula, pois expõe a contradição central de sua retórica: se Trump era o fascista nazista da narrativa militante, com que espécie de lógica um suposto defensor da democracia confessa afinidade com ele?
Se identifica
Ou Lula se identifica com aquilo que insistiu em denunciar — ou sua denúncia foi apenas ferramenta de retórica.
Depois, agride Trump, porque ser elogiado por quem vulgarizou a liturgia do Estado com metáforas de alcova não é honra — é rebaixamento simbólico.
Não há estadista que se orgulhe de ser reconhecido por alguém que transformou o cárcere em piada e a imoralidade em folclore político.
Elogios que purificam
Portanto, há elogios que purificam. Há elogios que consagram. E há elogios que apenas borrifam lama com perfume de cinismo.
O elogio de Lula pertence a essa categoria que não engrandece — apenas respinga e exala mau cheiro. Não houve ali um encontro entre estadistas, mas um gesto de malandragem em busca de cumplicidade.
Trump, com todos os seus excessos, atua no tabuleiro geopolítico com cálculo e frieza, fazendo da negociação uma ferramenta de poder.
Confunde estratégia
Lula, ao contrário, confunde estratégia com astúcia de botequim e acredita que a malícia improvisada pode ocupar o lugar da inteligência de Estado — oferecendo camaradagem de bar onde se exige liturgia de governo.
E o povo, esse leitor cansado do romance trágico da nação, talvez precise compreender — ainda que sem palavras — que quando a linguagem do Estado desce ao vocabulário das alcovas, não há química que não cheire a charco.
Se houve afinidade, a pergunta permanece:
- Afinidade entre quais valores?
P.S.: Registre-se, não para celebração — mas para constar no inventário das coisas mal ditas por pseudo chefes de Estado.
*Jorge Pinho é advogado, escritor e pensador. Ex-procurador-geral do Estado do Amazonas.
NR - As crônicas refletem a visão, a opinião e a imaginação dos seus autores.
