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As aventuras de Cacimba 10 — O Rio Quase — A travessia do invisível

18/10/2025 -

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Por Zé da Flauta*

O povoado de Espraiado do Norte nasceu antes da fé e depois da dúvida. No meio dele, o Rio Quase, seco desde 1978, separava pobres e ricos, fiéis e incrédulos, o mercado e a igreja. Ninguém atravessava sem pagar a famigerada "taxa de travessia", criada por um prefeito esperto que dizia: “Só quem paga, passa. ”

Mas numa manhã nublada, como se o céu estivesse prendendo o choro, Cacimba chegou. Vinha cansado, sujo de estrada, com os dois macaquinhos nos ombros, um atento como vigia de farol, o outro rabiscando um caderninho com desenhos cabalísticos.

Na entrada do povoado, uma senhora o parou:
— Moço, o senhor tem coragem? Dizem que se tentar atravessar sem pagar... o rio engole. Teve um que sumiu só de sonhar.

Cacimba apenas sorriu.

Na praça, viu o leito seco como uma ferida antiga. Aproximou-se, ajoelhou-se na beira e encostou o ouvido na terra.
— Ainda corre… murmurou. Mas é por debaixo da alma do povo.

O fiscal já vinha correndo:
— Tá doido? Vai atravessar sem pagar?

Cacimba se levantou devagar. Tirou o chapéu, o casaco, e ficou de calção. O vento parou. Os sinos da igreja bateram sozinhos.
— Hoje o Rio vai voltar a correr. Mas será invisível. Quem tiver fé, verá. Quem não tiver, vai continuar do lado de cá pro resto da vida.

E mergulhou de peito aberto na poeira. Nadava como se estivesse em alto mar. Os macaquinhos aplaudiam. O povo, em silêncio, começou a chorar.

Quando Cacimba apareceu do outro lado do leito seco, com os pés limpos e os braços abertos, um silêncio profundo caiu sobre o povoado. Parecia que até o vento parou pra escutar o que vinha dali.



Dois segundos depois, uma criança gritou:
— Mainha! Ele atravessou voando?
— Não, meu filho... respondeu a mãe, ajoelhada, Ele atravessou com fé.
Nesse instante, o chão do rio brilhou feito ouro queimado. Um cheiro de água doce subiu no ar. E os dois macaquinhos começaram a bater palmas, um com o chapéu na mão, o outro abanando o povo.

Os fiéis, um por um, foram se encorajando. Fechavam os olhos, seguravam a respiração... e quando abriam, estavam do outro lado. Era como atravessar um sonho acordado.

Um ancião, que nunca tinha saído de casa por medo do mundo, atravessou com um sorriso de menino. Uma moça grávida atravessou com o bebê já mexendo na barriga.

Quando todos chegaram, Cacimba apenas disse:
— O Rio Quase agora é o Rio Foi. E quem atravessou, nunca mais volta a ser o mesmo.

Então se afastou com os dois macacos, como quem acabou de abrir um caminho no meio do impossível.

*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.



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