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Amauri Cavalcanti Caminha registra em livro memórias da luta contra a ditadura

18/10/2025 -

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Por José Nivaldo Junior*

Já que falamos de memória vou, com a devida vênia do tri-imortal Zé Paulinho Cavalcanti, começar pelas minhas recordações.**. Conheci Amauri Caminha em 1969, quando entramos juntos na faculdade de Direito da UFPE. O famigerado AI5, que endureceu a ditadura, já estava em vigor. A UEP (União dos Estudantes de Pernambuco) e o diretório acadêmico estavam proibidos de funcionar. O movimento estudantil, condenado à clandestinidade. A luta contra a ditadura nos aproximou. O grupo foi se formando naturalmente: Alcides, a "baixinha, Lavareda, Miranete, que estudava medicina mas estava sempre por perto, Zé Arnaldo, Neto, Ronidalva, Ivanilda, vários outros. Amauri se destacava. Sério, de pouca conversa, aluno um pouco desleixado, focado na militância política.

Naquele ano que durou décadas, frequentei a casa solidária e afetuosa da sua família, no bairro do Cordeiro, no Recife. E compartilhamos muitas aventuras, uma contarei no final do texto. Pelo final do ano, se bem me lembro, Amauri comunicou que iria abandonar a faculdade para se dedicar integralmente à luta clandestina. Respeitei, claro, mas a minha escolha foi outra. Permaneci na legalidade com um pé no movimento estudantil que, como dito, estava banido. Ironia da vida: nem por isso escapei de sequestro, torturas, prisão.

Amauri partiu, lutou, também foi sequestrado, torturado e preso, sobreviveu. Mantém admirável coerência até hoje. Ser humano com dimensão especial. Está na categoria brechtiana dos melhores, os que lutam a vida inteira. Perdi de vista o amigo, o reencontro, relativamente recente, foi através de um irmão que prestigiou o lançamento de 'O Julgamento de Deus'. O contato avançou via redes sociais. Se consolidou em abraço durante encontro anual promovido por ex-presos políticos. A fraternidade é a mesma, o tempo não apaga o carinho e sobretudo o respeito.



O livro

Memórias em Vermelho, é o título. Segundo o autor, trata-se de um mergulho no seu passado político, comungando com outras pessoas. "Quando resolvi escrevê-lo, em idade com a minha, 77 anos, é tangível cometermos algumas falhas, pois a memória é um caminho que nos trai aqui, acolá. Enfrentamos muitos desafios, éramos jovens idealistas e partimos para o combate direto à maldita ditadura militar, o que não foi fácil", afirma.

Amauri prossegue afirmando que o livro é uma narrativa do que viveu com outros companheiros durante o período bastante sombrio da ditadura implantada em 1964. Que ele considera "uma verdadeira tragédia humana, onde muitos foram sequestrados, torturados, condenados, sofreram atentados, foram assassinados ou simplesmente desapareceram". O autor diz ainda que procurou ser sucinto e objetivo, evitou cometer injustiças e escreveu em linguagem fácil e simples, visando não deixar dúvidas quanto ao conteúdo do que é narrado.

E ainda: espera trazer para os leitores, principalmente os que não viveram aquele período, informações mais amplas do que as contidas nos livros didáticos ou que são ensinadas nas salas de aula. O livro será lançado no início da noite de hoje sábado (18/10), em Palmares. Registro: a edição foi quase totalmente esgotada na pré-venda. Restam poucos exemplares.

Um episódio pitoresco

Em 1969, com a UEP banida, o seu presidente, o estudante de engenharia Cândido Pinto de Melo, sofreu um atentado a tiros na ponte da Torre, no Recife, praticado pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Cândido ficou paraplégico. Que recorde, apenas o nome do criminoso Major Ferreira foi divulgado tempos depois pela polícia. O certo é que a direção da UEP precisou ser reestruturada. O atual designer e militante João Roberto Peixe, aluno de Arquitetura, assumiu a presidência. Eu acabei escalado para a diretoria de comunicação. Entre os meus encargos, redigir panfletos e manifestos além de cuidar da 'gráfica' da entidade.

A tal 'gráfica' consistia de um mimeógrafo a tinta, lento e muito ruidoso. Uma novela era encontrar um lugar para operar a engenhoca. Amauri tinha um amigo de Palmares, sua cidade natal. O amigo morava só, em uma casa de vila em descampado por trás do Jockey Clube, no bairro do Prado, no Recife. Hoje o descampado não existe mais, está totalmente ocupado, na rua Gomes Taborda, na época conhecida como rua da Lama.

Pois bem, altas horas, começamos o nosso trabalho de impressão, Amauri, o amigo e eu. No silêncio da noite o barulho do mimeógrafo era ouvido a grande distância. Na primeira noite, tudo normal. Na segunda, em plena madrugada, um rapaz alto, forte, trajando apenas bermuda, subiu no muro de trás, pulou no terraço, aberto por causa do calor, e falou com firmeza: "Eu sei o que vocês estão fazendo aí. No meio tempo, Amauri correu para pegar o revólver que estava no quarto, mas parou quando ouviu a continuação da conversa.

"Eu sei. Vocês estão fabricando dinheiro e se eu não entrar nessa parada eu vou ligar pra polícia". Deu trabalho convencer o que realmente estávamos fazendo. O cara acabou nos ajudando no trabalho de imprimir, cortar e empacotar os panfletos. Mas que foi um susto e tanto, foi.

*José Nivaldo Júnior é consultor em comunicação, historiador, diretor de O Poder. Da Academia Pernambucana de Letras.

**O triplamente acadêmico José Paulo Cavalcanti Filho implica com quem começa o texto sobre terceiros com "Eu" e outros pronomes possessivos.

NR - Os textos assinados refletem a opinião dos seus autores.



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