imagem noticia

Porque o povo está nas ruas dos países desenvolvidos, entrevista com Marcelo S. Tognozzi*

18/10/2025 -

imagem noticia
O Poder - O senhor diz que vivemos a Era do Mau Humor. Como assim?

Tognozzi - Vivemos em um mundo onde a intolerância está moldando relações sociais e o maior exemplo não são os Estados Unidos, onde precisamente hoje o povo também esta protestando, mas a Europa. A guerra entre Rússia e Ucrânia continua sem qualquer previsão de terminar. Os campos ucranianos, até pouco tempo o celeiro da Europa, estão devastados pelas bombas. Durante muito tempo a Europa viveu numa zona de conforto consumindo os grãos ucranianos e se aquecendo com o gás russo. Sem grãos e sem gás, os europeus foram obrigados a trocar o discurso da sustentabilidade pelas usinas a carvão.

O Poder - Isso explica as multidões nas ruas?

Tognozzi- Esta semana a Europa voltou a explodir em manifestações na Holanda, Espanha e na França, países cujo bem-estar social está em crise. Uma reportagem no The Telegraph assinada pelo editor de Economia Internacional Hans van Leeuwen, mostra o tamanho do mal estar econômico que domina a Europa. A pressão sobre o poder de compra dos cidadãos, especialmente a classe média, está cada vez maior. Enquanto o desemprego na zona do Euro está em 6,2%, o desemprego entre os jovens até 25 anos é mais do dobro: 14,6%. Há uma competição por emprego com imigrantes jovens, dispostos a trabalhar sem direitos e por salários bem abaixo da média, numa disputa desleal. Até pouco tempo autoridades faziam vista grossa, mas com a pressão pelo endurecimento das políticas migratórias estão sendo obrigados a encarar.

O Poder - Como essa crise repercute sobre as políticas públicas?

Tognozzi - A crise econômica tem obrigado países como a França a cortarem despesas, mas o eleitorado não quer abrir mão das suas conquistas. No caso da França, o governo atrapalhado de Emmanuel Macron elevou a relação imposto/PIB para 43,8%, a maior entre os países da União Europeia. A França tem vivido um cotidiano de protestos, dia sim outro também. Há poucos dias, agricultores franceses contrários ao acordo com o Mercosul protestaram com tratores, bloqueando as cercanias da Torre Eifel. Dizem que o agro, especialmente do Brasil, faz concorrência desleal. Mentira. O agro francês é viciado em subsídios e não consegue ter a mesma produtividade dos brasileiros. Com o poder aquisitivo do povo caindo, os impostos subindo para financiar a máquina e o bem-estar social, os produtores franceses vão acabar indo para o brejo.

O Poder - Esse quadro parece estar se generalizando...

Tognozzi - Na Holanda, violentos protestos contra imigração acabaram com prisões em Amsterdã e Haia. A frustrações sociais tendem a aumentar num país com crescimento de 1,2% e inflação de 3%. Na Bélgica, Itália, Alemanha, Áustria e Espanha também foram registrados protestos e até greves, alguns deles pró-palestina. Em Barcelona estes protestos acabaram em quebra-quebra e pessoas feridas. Tudo acontece numa Europa onde uma onda de centro-direita vem contaminando o eleitorado com discurso anti-imigração, nacionalismo e ajustes na economia. O sofrimento aumenta com a guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos, na luta do presidente Trump para reverter os déficits comerciais e trazer dinheiro para dentro do mercado americano.

O Poder - Enquanto isso a China...

Tognozzi - Também é outro fator de desestabilização política e econômica. Se por um lado está aliada à Rússia na guerra contra a Ucrânia, por outro depende do mercado Europeu para seus produtos mais sofisticados, como os carros elétricos de primeira linha, agora com taxas de 7,5% a 35%. A China entrou contra a União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas é difícil reverter. Os analistas financeiros estão prevendo ainda mais mau-humor no próximo ano, com a política cada vez mais polarizada, como na França, Espanha, Alemanha e Reino Unido. Para Clarisse Kopff, executiva da seguradora alemã Munich Re, as baixas taxas de crescimento da Europa em comparação com Estados Unidos e China devem colocar ainda mais lenha na fogueira da crise social. “Teremos mais pressão no poder de compra dos europeus, alimentando mais protestos e mais convulsão social”, previu ela.

O Poder - Como se coloca nesse contexto a questão militar?

Tognozzi - Ainda há uma pressão adicional para o rearmamento da Europa pelos Estados Unidos, país com maior peso na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). O próprio secretário de Defesa americano Pete Hegseth virou garoto propaganda ao pedir, no último dia 15 em Bruxelas, que a Europa compre mais armas. Seu argumento é o de que quanto mais forte, maior a garantia de paz. Mas a França, Itália, Espanha e Reino Unido fazem cara de paisagem, se recusando a comprar a conversa de Hegseth. A tendência é que a situação na Europa piore bastante antes de voltar à normalidade, se é que voltará.

O Poder - Quais as perspectivas do continente que a geracao anterior à nossa chamava "Velho Continente"?

Tognozzi- Todo o sistema de proteção social edificado no pós-guerra está começando a ruir. O estresse é enorme, porque os europeus estão sendo obrigados a sair da sua zona de conforto e viver situações que, para eles, eram restritas à América Latina ou alguns países asiáticos.
Imprensada entre o Oriente e o Ocidente, a Europa precisa urgentemente rever seus conceitos. Tem ajudado a Ucrânia contra a Rússia numa guerra com um forte componente ideológico, a qual já consumiu bilhões e bilhões de Euros que, se injetados na economia, ajudariam a conter o mau-humor. Não querem entregar seu celeiro para Putin, mas mesmo que a guerra acabe hoje, vai demorar muito para recuperar a produção. Europeus terão de se adaptar cada vez mais aos tempos de mudança de costumes e desfechos imprevisíveis. Nestes momentos, nada melhor do que seguir a sabedoria de Voltaire. Certa vez perguntaram a ele, que negava a existência de Deus, como podia receber a sagrada comunhão. E Voltaire com seu jeito blasé: “Tomo o café da manhã conforme o costume da terra”.

*Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor. Escreve semanalmente prestigiado artigo no Poder360.

imagem noticia unica




Deseja receber O PODER e artigos como esse no seu zap ? CLIQUE AQUI.

Confira mais notícias

a

Contato

facebook instagram

Telefone/Whatsappicone phone

Brasília

(61) 99667-4410

Recife

(81) 99967-9957
Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso site.
Ao utilizar nosso site e suas ferramentas, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Jornal O Poder - Política de Privacidade

Esta política estabelece como ocorre o tratamento dos dados pessoais dos visitantes dos sites dos projetos gerenciados pela Jornal O Poder.

As informações coletadas de usuários ao preencher formulários inclusos neste site serão utilizadas apenas para fins de comunicação de nossas ações.

O presente site utiliza a tecnologia de cookies, através dos quais não é possível identificar diretamente o usuário. Entretanto, a partir deles é possível saber informações mais generalizadas, como geolocalização, navegador utilizado e se o acesso é por desktop ou mobile, além de identificar outras informações sobre hábitos de navegação.

O usuário tem direito a obter, em relação aos dados tratados pelo nosso site, a qualquer momento, a confirmação do armazenamento desses dados.

O consentimento do usuário titular dos dados será fornecido através do próprio site e seus formulários preenchidos.

De acordo com os termos estabelecidos nesta política, a Jornal O Poder não divulgará dados pessoais.

Com o objetivo de garantir maior proteção das informações pessoais que estão no banco de dados, a Jornal O Poder implementa medidas contra ameaças físicas e técnicas, a fim de proteger todas as informações pessoais para evitar uso e divulgação não autorizados.

fechar