
Reforma Tributária 44: "Neutralidade Fiscal" esconde carga maior sobre mulheres e pessoas negras (Pink tax), por Rosa Freitas*
20/10/2025 -
Compreender a justiça fiscal exige considerar os recortes de renda, raça e gênero. A tributação é um instrumento de divisão da riqueza social: ao tributar quem tem mais recursos para financiar políticas públicas, busca-se redistribuir riqueza e reduzir desigualdades.
Entretanto, o sistema tributário brasileiro é profundamente regressivo, pois incide majoritariamente sobre o consumo e não sobre a renda ou o patrimônio. Isso faz com que mulheres, pessoas negras e racializadas — especialmente as mulheres negras — sejam mais oneradas. Dados do IBGE (2023) confirmam: além de receberem salários menores, elas estão mais expostas à informalidade e à precarização.
A Reforma Tributária (EC nº 132/2023 e LC nº 214/2025) pretende corrigir distorções, mas seus efeitos distributivos ainda são limitados.
1. Desoneração da cesta básica
A LC nº 214/2025, em seu art. 125, reduziu a zero as alíquotas do IBS e da CBS sobre os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos, o que beneficia diretamente as famílias de baixa renda, cuja renda é majoritariamente destinada à alimentação. Contudo, a medida é pontual, pois a desigualdade estrutural permanece.
2. Cashback
O cashback (art. 113 da LC nº 214/2025) devolve parte dos tributos a famílias inscritas no CadÚnico com renda per capita de até meio salário mínimo. Embora positivo, o mecanismo tem alcance restrito e valor devolvido modesto, insuficiente para corrigir a regressividade tributária.
3. MEIs e nanoempreendedores
Os Microempreendedores Individuais (MEIs) não recolhem IBS/CBS, mas tampouco geram créditos tributários. Isso os exclui da cadeia produtiva formal (art. 41, §9º, da LC nº 214/2025). Estudos do Sebrae (2023) e da plataforma MaisMEI (2024) mostram que a maioria dos MEIs são mulheres negras, o que reforça o caráter excludente e interseccional da desigualdade tributária.
4. Avaliação quinquenal
A avaliação quinquenal prevista no art. 475 da LC nº 214/2025 poderia incluir representantes de grupos mais impactados, como mulheres e pessoas negras, para assegurar escuta social e representatividade. A ausência desse diálogo perpetua a invisibilidade das desigualdades estruturais.
5. Itens de saúde menstrual
A Lei nº 14.214/2021 e o Decreto nº 11.432/2023 instituíram o Programa de Saúde Menstrual. A LC nº 214/2025 incorporou o tema (art. 147), reduzindo a zero as alíquotas sobre absorventes, coletores e calcinhas menstruais. Embora tardiamente, a medida reconhece a dignidade menstrual como direito social.
Conclusão
O feminismo tributário propõe olhar a Reforma Tributária sob a ótica da interseccionalidade. A neutralidade fiscal, muitas vezes exaltada como princípio técnico, oculta desigualdades de gênero, raça e classe.
Uma tributação verdadeiramente justa deve ser solidária e antirracista, incorporando os recortes sociais na formulação e na revisão das políticas fiscais.
Síntese dos principais pontos
• A regressividade tributária brasileira penaliza desproporcionalmente mulheres negras.
• A desoneração da cesta básica é necessária, mas limitada.
• O cashback tem impacto redistributivo reduzido.
• A exclusão dos MEIs e nanoempreendedores da não cumulatividade agrava desigualdades.
• É urgente a inclusão de representatividade social na avaliação quinquenal.
• A desoneração dos itens de saúde menstrual representa um avanço simbólico e material.
*Rosa Freitas é advogada. doutora em Direito, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", "Gestão Municipal de Residuos Sólidos" e "A reforma tributária e suas implicações nas compras governamentais e serviços públicos", Editora Igeduc.
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