Combate ao narcoestado - Quanto custa a inércia de décadas, por Zé da Flauta*
03/11/2025 -
Contestando o artigo de Amauri Caminha
Caro Amauri, respeito profundamente tua leitura, lúcida e humana, sobre a tragédia que é o narcotráfico. Mas permita-me discordar: o erro maior não está na operação, mas na inércia histórica que a precedeu.
O Estado
O Estado brasileiro passou décadas fingindo não ver o crescimento de exércitos paralelos que controlam territórios, impõem regras e sequestram o direito à paz de comunidades inteiras. Quando o governo decide reagir, não é um gesto de virtude, é uma obrigação. O silêncio, neste caso, é a pior forma de cumplicidade. Esperar a pureza dos resultados numa guerra dessa natureza é como querer que uma cirurgia grave seja feita sem sangue.
Vírus
Você tem razão: líderes escapam, o sistema se recompõe, o tráfico se adapta. Mas o combate não é apenas tático, é simbólico e pedagógico. O Estado precisa demonstrar que ainda existe, que ainda tem o direito e o dever de ocupar o espaço público. Cada operação dessa não é apenas sobre tiros; é sobre mensagem.
O grito
É o grito de que o medo não pode ser política pública. E sim, haverá substituições no topo do crime, como também há recaídas no tratamento de uma doença. Mas ninguém abandona o tratamento só porque o vírus é teimoso.
Justiça seletiva
A crítica sobre os “dois pesos e duas medidas” é justa e necessária. O crime de colarinho branco, o tráfico financeiro, o dinheiro sujo que atravessa fintechs e bancos, precisam sim ser atingidos com o mesmo rigor. Mas isso não desqualifica a ação contra o narcotráfico armado, apenas amplia a lista dos que devem ser confrontados.
O erro
O erro seria achar que, por não punirmos os grandes, devamos poupar os pequenos. Justiça seletiva não se corrige com omissão. Se o Estado tem que agir em Faria Lima, que aja. Mas que não abandone o Alemão, o Jacarezinho, a Maré, onde a democracia também tem CEP.
Poder político armado
Não se trata de romantizar o uso da força, mas de compreender o preço de não usá-la. O tráfico, hoje, não é mais apenas um comércio ilegal, é um poder político armado que desafia o Estado de Direito. E diante de um poder que mata, recruta e domina, qualquer Estado digno precisa reagir. O verdadeiro tiro no pé seria continuar aceitando a morte de inocentes como rotina, fingindo que a omissão é humanidade. A paz não nasce do medo, nasce da coragem de enfrentar o que nos destrói, ainda que o caminho seja imperfeito, dolorido e cheio de contradições.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.

