Artigo de José Nivaldo sobre combate ao crime organizado idealiza o estado burguês, por Natanael Sarmento*
03/11/2025 -
Conheço, respeito e admiro José Nivaldo Junior desde o início dos anos 1970. O conheci já no contexto do enfrentamento à ditadura. Ele era muito amigo e companheiro do movimento estudantil que desafiava o regime, da minha irmã Dionary e do meu então cunhado Leonardo Cavalcanti. Os três acabaram sequestrados, levados ao DOI/CODI, torturados. Escapei porque consegui fugir a tempo. Tiveram um comportamento de dignidade frente aos algozes no nível que eleva a condição humana. Nos anos subsequentes a admiração só fez crescer. Respeito profundamente a opção pela dialética heraclitiana, à qual Zé, permitam-me tratá-lo em público com a intimidade de tão longa relação, se filia. Seguimos vida afora no mesmo lado humanista do espectro ideológico, porém por caminhos diferentes. Por tudo isso, sinto-me à vontade para fazer um comentário crítico sobre o importante artigo que Zé assinou, publicado sábado passado em O Poder. (Guerra ao crime muito bem organizado - De que lado você está?).
O narcoestado é parte do estado burguês
O artigo tem, sem dúvida, algumas coisas muito boas e observações interessantes. Porém comete um erro fundamental, no meu ponto de vista. O amigo saiu do materialismo histórico e dialético e foi para o idealismo. Foi dialético no artigo mas não foi materialista. O texto justapõe o estado narcotraficante ao estado burguês, quando na verdade essa dualidade inexiste. O narcotráfico é um instrumento da economia capitalista e burguesa. E portanto, também das classes sociais dominantes e do poder político estabelecido. Não se trata de um confronto entre dois estados, muito menos do enfrentamento de agentes fora dele. Não há enfrentamento entre dois supostos estados paralelos, de um contra o outro. Pois ambos são incrustados. O chamado narcoestado faz parte, opera dentro, como parte intrínseca do estado capitalista e burguês. Essa é a questão central.
Contesto
Não acho que essa discussão se esgote em notas e artigos. Exige um debate aprofundado, desde que a tese que defendo, sintetizada acima, possa ser aprofundada além dos limites de um texto para o jornal. É um assunto complexo. Mas, no meu entendimento, o nobre professor, neste artigo, cometeu um equívoco. A matança do estado burguês é seletiva. Apenas um exemplo: Roberto Jefferson utilizou fuzis e atirou na polícia e não foi fuzilado ali mesmo, como acontece nas favelas. Os fuzis apreendidos, na operaçãodesta semana no RJ, na maior parte, foram provenientes dos CACS - Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores, liberados pelos elementos da burguesia que estavam no governo, criando leis e mecanismos que facilitaram o tráfico de armas e colocaram os armementos nas mãos dos bandidos. Que elegem deputados federais e senadores. Governadores, deputados estaduais prefeitos, vereadores, no RJ e em diversos estados, são notoriamente vinculados ao narcotráfico.
Nós contra quem?
Não é uma situação "nós, cidadãos de bem, contra eles, os bandidos", como foi colocado pelo ilustre articulista. Não se trata do estado democrático dos mocinhos burgueses contra o estado dos bandidos narcotraficantes. Isso é uma concepção idealista, totalmente dissociada do que acontece no mundo real. Data vênia.
PS da editoria - No pensamento de Marx, idealismo é a falsa concepcão que prioriza as ideias como força motora da realidade.
*Natanael Sarmento é professor e escritor. Da direção nacional do partido Unidade Popular Pelo Socialismo -UP.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre debate de ideias e acolhe o contraditório.

