O engano materialista e a cegueira moral da esquerda intelectual, por Jorge Henrique de Freitas Pinho*
05/11/2025 -
Li o artigo de Natanael Sarmento, publicado em O Poder, e reconheci nele o que há de mais previsível no pensamento político brasileiro: a tentativa de dissolver o mal na estrutura, o crime na sociologia e a culpa no sistema.
Fuga
Não é uma crítica - é antes, uma fuga. Trata-se do reflexo condicionado de uma mente que já não pensa, apenas repete. A análise de Natanael, sob o pretexto de rebater José Nivaldo, comete o velho pecado intelectual da esquerda militante: confundir causalidade com ideologia e moral com economia.
O resultado é um discurso que, em nome da justiça, justifica a injustiça; em nome da compaixão, absolve o criminoso; e em nome da "luta de classes", desarma o cidadão honesto diante do bandido armado.
1. O sofisma do "Estado burguês" Natanael afirma que o narcotráfico é parte integrante do Estado burguês. O argumento parece profundo, mas é apenas uma pirueta dialética. Na medida em que se tudo pertence ao "Estado burguês", então nada é propriamente criminoso - apenas funcional.
Velho truque
Trata-se do velho truque do sofisma marxista: transformar a realidade em reflexo da estrutura para eliminar a responsabilidade pessoal. Mas o crime organizado não é um produto do capitalismo - é a sua caricatura grotesca. burguês acumula pela lei; o criminoso, pela força.
O primeiro precisa da previsibilidade; o segundo, do caos. Um ergue instituições; o outro as destrói. O narcotráfico não é parte do Estado burguês - é, na verdade, o parasita que o devora.
2. O sofisma das armas dos CACs.
Natanael repete, como fazem tantos analistas apressados, a tese segundo a qual as armas apreendidas no Rio provêm dos CACs - colecionadores, atiradores e caçadores. É um argumento conveniente, mas falso. Nenhum criminoso investe em armamento rastreado por CPF, submetido a vistoria ? vinculado a endereço residencial.
As armas do narcotráfico são fuzis de guerra, granadas e explosivos - itens de uso restrito, contrabandeados por rotas internacionais e alimentados por fronteiras sem vigilância. O problema não está e nem nun a esteve diretamente no CAC legalizado, mas no contrabandista acobertado pela omissão estatal.
O crime
O crime não se abastece nos clubes de tiro, mas nos corredores de corrupção e no tráfico de armas exercido nas fronteiras que deveriam ser vigiadas pelo Governo Federal, que prefere usar sua Polícia para fazer incursões em condomínios de luxo, de madrugada, para abordar os investigados, seus cônjuges e filhos, ao acordar. Ademais, é importante lembrar - com fatos, não com slogans -- que o episódio de Roberto Jefferson nada tem a ver com o tráfico de armas.
Ele não matou ninguém, não fugiu e não liderava uma facção armada. Usar seu caso como paralelo é uma manipulação grosseira: um equívoco que mistura tragédia pessoal com criminalidade sistêmica diante de um conflito armado de porte relevante envolvendo grupos paramilitares.
3. O sofisma da seletividade da força
Outro argumento recorrente é o de que o Estado "mata seletivamente", poupando o burguês e exterminando o pobre. Essa narrativa é igualmente falaciosa - não apenas porque distorce as estatísticas, mas porque ignora a verdadeira hierarquia do medo.
Não teme
O Estado brasileiro não teme os ricos; teme sim os poderosos. Teme, portanto, o juiz que o pode punir, o ministro que o pode censurar, o governante que o pode destituir.
O que paralisa a autoridade não é o dinheiro, mas o poder - sobretudo quando ele se concentra nas mãos de uma juristocracia que legisla por decisões que abusam da criatividade e de um governo que usa a Polícia Federal como extensão de sua vontade. O resultado é um paradoxo: o Estado, que deveria ser guardião da lei, passa a agir como súdito de quem a interpreta.
Refém da conveniência política
A força deixa de ser instrumento de justiça e se torna refém da conveniência política. É por isso que os confrontos se concentram nas áreas de maior vulnerabilidade - não por cálculo de classe, mas porque ali o Estado ainda ousa agir, enquanto nas altas esferas reina o medo de desagradar.
De fato, a violência atinge mais as classes baixas, mas não por opressão de classe - ? sim porque é ali que a quebra de valores morais abriu espaço para a tirania do crime. A pobreza não gera delinquência; a delinquência nasce quando a cultura da honra e do dever é substituída pela cultura da vitimização. E o testemunho das famílias, nas redes sociais, confirma isso: são mães, pais e parentes clamando por justiça, não por ideologia - por lei, não por revanche.
A Operação
A Operação do Rio de Janeiro é o reflexo desse clamor coletivo. A sociedade já entendeu o que parte da elite intelectual se recusa a admitir: sem autoridade, não há paz; e sem justiça, não há liberdade. A força legítima - quando usada com propósito e sob a égide da lei – não é violência, é proteção. E quando o Estado teme exercer sua autoridade, o crime se encarrega de exercê-la em seu lugar.
4. O sofisma da estrutura sem alma
Ao afirmar que o narcotráfico é um subproduto do capitalismo, Natanael repete o erro clássico do materialismo histórico: tratar o mal como fenômeno econômico e não como escolha moral. Mas não há crime sem consciência, nem barbárie sem vontade. Reduzir o tráfico à "condição social" é negar a liberdade humana e, portanto, a própria dignidade que se diz defender.
A delinquência não nasce da fome, mas do desejo de poder – o mesmo desejo que move ideologias travestidas de compaixão. A pobreza pode até explicar a necessidade; nunca a perversidade. 5. O sofisma da autoridade confundida com tirania.
A crítica de que o combate ao narcotráfico é "guerra do Estado burguês contra o povo" revela outro equívoco: confundir autoridade com tirania. A esquerda intelectual, há décadas, perdeu a capacidade de distinguir entre repressão legítima e opressão arbitrária.
Ato de justiça
Assim, transforma todo ato de justiça em violência e toda violência em resistência. Mas o Estado que não impõe limites ao crime deixa de ser democrático para se tornar refém. Não existe liberdade possível onde a lei pede licença ao medo.
6. O sofisma da revolta confortável
A ironia final é que os que mais denunciam o "Estado burguês” s?ão, por definição, seus maiores beneficiários. Vivem de cargos públicos, bolsas de pesquisa e salários pagos pelos impostos daqueles a quem chamam de "burgueses". Criticam o sistema enquanto usufruem de todas as suas garantias, e se sentem redimidos pela retórica. É a revolução de ar-condicionado - a subversão patrocinada pelo contracheque. 7. Conclusão - A cegueira moral e o dever da razão.
O erro
O erro de Natanael não é político - é ontológico. Ele não compreende o que é o mal, porque já não acredita na liberdade moral do homem. Para ele, tudo é produto: o vício, o crime, a violência e até a covardia. Entretanto, uma sociedade que transforma o assassino em vítima e o herói em opressor não está praticando filosofia - está redigindo o seu próprio epitáfio.
A economia
A economia explica o que o homem faz; mas é a moral que explica quem ele é. E enquanto o pensamento de esquerda continuar confundindo a estrutura com a consciência, o crime com a desigualdade e a autoridade com a opressão, o mal continuará vencendo - não pela força, mas pela desculpa. A mesma lógica se repete quando a justiça, tomada pela tentação de ser instrumento político, seleciona seus alvos conforme a conveniência do poder. É o materialismo jurídico: o uso das instituições como extensão do partido, não da lei.
Porque enquanto a esquerda continuar tentando salvar o homem da culpa, continuará condenando-o à servidão. A liberdade só floresce onde há responsabilidade - e o perdão, só onde há arrependimento.
8. Epílogo - Da amizade e do dissenso
Não nego que divergi de José Nivaldo em meu recente ensaio, que também dialogava com seu pensamento - e o fiz com o mesmo apreço com que um discípulo contesta ? mestre: não para vencê-lo, mas para pensar melhor ao seu lado. Se a razão, como se infere de Heráclito, nasce do contraste, a amizade nasce do respeito que sobrevive a ele - como se depreende da ética ensinada por Confúcio.
Conflito
O primeiro viu no conflito a fonte do Logos; o segundo, na harmonia, a medida da virtude. Entre ambos estende-se a ponte invisível que une o pensamento ao caráter: pensar é distinguir sem dividir, e respeitar é discordar sem romper. Assim, o diálogo, quando verdadeiro, não destrói - amadurece. E é nesse ponto em que razão e amizade se tocam que a filosofia se converte em humanidade.
Zé continua sendo, para mim, um dos poucos que ainda pensam de pé - quando quase todos preferem ajoelhar-se diante das cartilhas ideológicas. Escreve como quem se arrisca, e é isso que o torna grande.
Zelo
Já Natanael, com seu zelo de acusador dos males do "Estado burguês imaginário", não me citou - e tampouco precisava. Entrei na questão não por vaidade, mas por justiça. Não suporto ver a razão maltratada em nome da ideologia, nem o pensamento de um homem honrado ser deformado pelo ruído da militância.
Zé Nivaldo não precisa de defensores; mas verdade, às vezes, precisa de voz. E é por isso que me manifestei: não para tomar partido, mas para preservar o sentido do diálogo. Pois, no fundo, Zé e eu estamos do mesmo lado - o lado da liberdade intelectual, que aceita o embate, mas rejeita o dogma.
Discordar
Portanto, se for crime discordar de um amigo como Zé Nivaldo mantendo-lhe o respeito, aceito a condenação. Prefiro ser réu da lucidez do dissenso que aclara a razão, a ser cúmplice de uma unanimidade construída na base da ofensa.
Pois, como ensinou Montaigne, "discutir é o mais fecundo exercício da amizade"; e, como advertiu John Stuart Mill, toda verdade humana precisa do atrito do erro para manter se viva. A concordância automática é a morte do pensamento, assim como o dogma é a caricatura da fé.
A razão
A razão só amadurece quando encontra resistência - diria Hegel -, e a alma só se reconhece quando se arrisca a olhar o outro sem medo - diria Buber. Por isso, o verdadeiro diálogo não é o que elimina o conflito, mas o que o eleva até o plano da compreensão. Há mais virtude em um desacordo honesto do que em mil aplausos servis.
E, quanto ao nobre Natanael, espero sinceramente que um dia descubra que a dialética não é uma espada para ferir o outro - mas um espelho para reconhecer a si mesmo.
(*) O autor é advogado e livre pensador.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre confronto de ideias e acolhe o contraditório. Todas as pessoas e instituições citadas têm assegurado espaço para suas manifestações.

