Ensaio - A visão distorcida da direita sobre a criminalidade por Natanael Sarmento*
07/11/2025 -
Aqui, em O Poder, edição de 03/11, criticamos artigo do editor, amigo de mais de meio século, José Nivaldo Junior. Divergimos do querido Zé - o tempo de amizade permite a intimidade - sobre a sua visão do combate ao crime organizado.
Respeito
Até o presente, Zé, a quem reafirmo enorme apreço e admiracao, não quis ou não pode rebater as minhas críticas. Talvez esteja ruminando novas reflexões. O Poder é a mais democrática publicação digital. Acolhe as opiniões mais diversas e estimula o debate de ideias divergentes. Coisa rara hoje em dia.
Advogado
O advogado Jorge Freitas Pinho em suposta defesa da tese de Zé Nivaldo, ataca a esquerda. Porque é de direita e tem todo direito de ser. O que não tem, ele nem ninguém, é o direito de manipular e distorcer dados. O advogado não defende o pensamento de Zé, um dialético heraclitiano declarado. Na verdade, o advogado sustenta teses de conservadorismo exacerbado. Manipula provas e distorce fatos. Adultera argumentos alheios. Basta ver o que escrevemos e o que ele critica no artigo “O engano materialista e a cegueira moral da esquerda intelectual”, em O Poder de 05.11.
A crítica
Nossa crítica ao artigo do Zé sustenta que a dialética do fraterno amigo afastou-se do materialismo. Mais precisamente, do materialismo histórico-dialético da explicação das sociedades humanas na luta de classes antagônicas. Entre exploradores opressores e explorados oprimidos. Do Estado com caráter de classe. Que sob o capitalismo é “comitê dos negócios e interesses da burguesia”.
Refutadas
A política de segurança pública da tese das omeletes. Da necessidade de quebrar ovos para fazer a omelete. No caso específico, a justificativa velada ou explícita de chacinas policiais. Crimes de agentes do estado nas comunidades pobres da Penha e Alemão que resultaram no assassinato de 121 pessoas. A imprensa fala nos mortos. Os fascistas, em bandidos. Não seriam, antes de tudo, pessoas? Dizemos que a repressão policial no grau da letalidade, do propalado combate ao crime organizado, é seletiva. Dirigida a uma classe social. Pois mudam os protocolos e os resultados conforme as classes. Que os ovos são quebrados nas favelas sucessoras das Senzalas e as omeletes são degustados nos condomínios de luxo sucedâneos dos sobrados senhoriais. Nas periferias tiros e mortes. Nos condomínios de bacanas, aplica-se o devido processo legal da burguesia. Reafirmamos isso. Essa bazófia de defesa explícita ou velada da operação policial não serve à sociedade por que não vai às causas e oculta mais do mostra. Foi uma ação desastrosa e eleitoreira do governador do Rio. A segurança pública não melhorou em nada com a chacina, que é terceira desta gestão fascista.
Os governos estaduais da direita colecionam fracassos administrativos, corrupção, piora na educação, saúde, moradia, da maioria da população. As diatribes do “patriota” com mandato de deputado usado para conspirar contra o Brasil nos EUA caíram no vazio. Trump mudou em relação ao governo Lula. O “quintal Brasil” tem alguma importância na geopolítica global. Um mínimo de decoro na autodeterminação da soberania não faz mal a ninguém.
A cegueira da direita
O advogado Freitas Pinho diz que leu o meu artigo. Se leu, não entendeu da missa um terço. Mas o douto advogado afirma que nossos argumentos são o que há de “mais previsível”, dissolvente e mal estruturado, um crime da sociologia que culpa o sistema. Considera “fuga”. Aduz que a tese do “Estado burguês” é sofisma e velho truque. Como nossa afirmação de que armas dos CACs param nas mãos de traficantes. Diz que bandido não usa CPF para comprar armas. Considera sofisma a afirmação de força Estatal seletiva. Da polícia tratar, diferentemente, pobres e ricos. Considera-me refém da “conveniência política”.
A chacina
Chama de “operação legítima” a chacina de 121 pessoas. Sustenta que “não é violência”, mas “proteção”. O advogado se define como “livre pensador” e espera que eu descubra a dialética como um espelho para me reconhecer” e não como uma espada para atacar.
Nem uma, nem outra
Não vemos na rasa doutrina direitista extremada caminhos para a liberdade. Tampouco vemos contribuição ao desenvolvimento do pensamento humano. As teses da ultradireita são pífias, como são, intelectualmente os ícones fundadores Mussolini, Hitler et caterva. A ignorância tem a vantagem de ignorar o quanto desconhece.
Segurança de quem?
Previsível e óbvio a serventia e vassalagem de “intelectuais orgânicos” da burguesia liberais ou fascistas. A “violência legítima” e defesa da ordem capitalista burguesa, a repressão estatal, justifica-se em nome da “ordem”, da “segurança”. Segurança de quem, Cara Pálida?
Truque
Sobre truques, sofismas e mágicas o advogado fala com propriedade. Ele explica o Estado e os aparatos repressivos e ideológicos desta organização política, acima dos interesses de classes, nas nuvens. Como se o Estado não tivesse natureza classista. Não expressasse a correlação de forças de uma sociedade, historicamente. Mas que a classe que o dirige e controla o poder detém a violência em benefício dos seus interesses classistas. Burgueses defendem a propriedade e o “livre” mercado por que eles controlam a propriedade e o mercado.
Fugir é tentar negar, fazer mágica é usar artifícios ideológicos como cortina de fumaça para encobrir a materialidade dos fatos. O Estado não está acima do bem e do mal, tampouco e o promotor do “bem-comum”. É no pensamento ou dialética idealista, fenomenológico. No pensamento dialético materialista é e, não é. O Estado reflete o estágio em constante movimento e desenvolvimento da luta das classes fundamentais e antagônicas de determinada formação econômica e social, é a superestrutura que lhe corresponde. E como nenhuma classe pode se impor completa e totalmente sobre as demais, nasceu e reflete as contradições e lutas das classes antagonistas.
Seletividade
Reafirmamos que os agentes de segurança do Estado brasileiro matam seletivamente. As operações policiais no RJ e pelo Brasil afora mudam na forma e no conteúdo, conforme se realize numa favela ou num condomínio de ricos. Não contabilizo nenhuma chacina no condomínio da barra da Tijuca no qual se apreenderam centenas de fuzis com o amigo e vizinho do Bolsonaro. Nem no prédio do Roberto Jefferson que resistiu à bala ordem de prisão. Nem no avião dos aliados do Aécio com toneladas de cocaína. Quem está preso pelo tráfico de cocaína da comitiva presidencial do inominável é um sargento cujo salário de toda vida não daria para pagar a farinha do flagrante.
Quem foge?
Freitas diz que eu não acredito na “liberdade moral do homem”. Jamais afirmei tamanha asneira. Tenho sim, muita esperança, e acredito na moral do ser humano e numa humanidade melhor. Não acredito na moral capitalista e cretinices da burguesia e seus serviçais. Nas bazófias dos sionistas genocidas, dos nazistas e fascistas que não fazem o que dizem, nem dizem o que fazem. Não acredito na moral do homem que atira bombas nucleares e promove guerras imperialistas e lucra com cadáveres e destruição. Que na louca “corrida pelo ouro” ameaça a destruição do Planeta.
Moral
A moral que defendo é comunista e portanto, anticapitalista e todo lixo dessa cultura individualista e exploradora. Boto fé no homem e na mulher nova, da sociedade nova e socialista. Tenho esperança no fim do capitalismo e de toda de exploração humana. Porque toda formação histórica até hoje surgiu, desenvolveu-se, envelheceu e morreu. Escravismo, feudalismo já se foram, resta-nos sepultar o decadente e apodrecido morto-vivo capitalismo. Minha moral não defende meia dúzia de bilionários que reina sob os cadáveres das guerras imperialistas, sobre 1,4 bilhões de seres humanos na pobreza.
Sofisma
Quem vende gato por lebre, degrada o ambiente em nome do “progresso”. Fala em “responsabilidade” fiscal fazer cortes em saúde e educação e ao mesmo tempo faz a assunção da dívida de banqueiros e dos empresários “prejudicados”. Quem fala em “bandido bom é bandido morto” e cumpre pena no luxo domiciliar e, achando pouco, quer anistia para seus crimes de formação de quadrilha, golpe de estado, etc.
Sem truque algum
Dizemos que o Estado é classista e a polícia e demais aparatos estatais tratam, desigualmente, os burgueses dominantes dos pobres dominados.
Dizemos que bandidos da burguesia são blindados e usam CPF e CNPJ. Dizemos que nas comunidades do Alemão e da Penha pessoas pobres – com e sem ficha policial – foram chacinadas. Dizemos que muitas das encontradas tinham numeração de pertencentes aos CACs. Dizemos que PCC e outras facções do crime organizado estão no cerne do Estado. E que tais agentes “sociais” são parte do mesmo Estado, da mesma economia capitalista, do Brasil. Que possuem investimentos no mercado financeiro Faria Lima, ações em refinarias, empresas, postos de gasolina, indústrias – inclusive fábricas de armamentos.
Duas conversas
Os fascistas publicamente aplaudem as ações violentas contra o “tráfico” nas favelas. Mas votam contra a Lei punitiva de empresas e empresários envolvidos com o crime organizado. Dificultam a implantação da integração das polícias federal e estaduais, para facilitar o conluio dos governantes estaduais associados ao crime organizado. Três fábricas de fuzis foram descobertas nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, todos governados pela extrema direita. Quem faz mágica?
Quantos moralistas “cidadãos de bem” possuem mandatos parlamentares e não respondem por seus crimes em virtude de imunidades de congressistas? Centenas! Dizemos que as teias do crime organizado incluem empresários e políticos importantes, e estes, ou escapam da lei ou sobrevivem, não são chacinados. Eles usam ternos, gravatas e togas. A frágil legalidade burguesa tropeça nas suas próprias limitações e contradições.
Dialética
Dialética nunca foi espada nem espelho. É método lógico e filosófico da permanência do movimento e mudança, da constante transformação da natureza e da sociedade. Resulta da confrontação de forças antípodas, téticas e antitéticas.
Materialismo dialético
O sistema dialético da natureza foi aperfeiçoado pelo idealista Hegel. O filósofo idealista da fenomenologia, para o qual o “Estado representa a suprema encarnação da ideia”. Mas a lei da ideia suprema prendia catadores de lenha, pobres miseráveis que buscavam proteção contra o frio. A partir de estudos científicos da economia política clássica Marx e Engels desenvolveram a dialética materialista. Romperam com a lógica dialética idealista. O Estado “síntese suprema da razão” deixa de ser explicado como abstração e passa à base material da produção, à vida social na qual surge e se desenvolve. Calha lembrar a chiste de Anatole France: “a lei que proíbe o mendigo de viver debaixo da ponte também proíbe os príncipes”.
Duas classes
O capitalismo tem duas classes fundamentais: a burguesia e proletariado. Entre elas as “classes médias”, embora não fundamental, com importância funcional. De reproduzir as ideias e valores da burguesia. Mais perto do inferno que do Céu, os pequeno burgueses, áulicos e fâmulos dos poderosos lembram cães do lado de fora da casa que pensam que são donos.
Epitáfio
O epitáfio da sociedade capitalista são as contradições ontológicas. Do constante desenvolvimento de forças produtivas e do congelamento de relações de produção. Da apropriação privada de mais-valia e das riquezas produzidas por uns poucos e da exploração de milhares. No século XIX O Manifesto Comunista já afirmava que o capitalismo criou o proletariado, o próprio coveiro.
*Natanael Sarmento é professor e escrito. Do Diretório Nacional da Unidade Popular Pelo Socialismo – UP.
NR - Os textos assinados refletem a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre debate de ideias e acolhe o contraditório. Todas as pessoas e instituições citadas têm garantido espaço para suas manifestações.

