É Findi - Libertos e Acorrentados - Poema, por Maria Inês Machado*
08/11/2025 -
Queria que o livro do mundo abrisse e falasse de amor.
Nas praças, nas ruas sortidas e alegres,
tudo se transformaria em poesia,
e o sol afogaria as nuvens — para, em seguida,
desenhar um roteiro amigo, abrigo dos descampados.
Aos que atravessam a noite sem cobertor nem colchão,
que apagam o peito sorrindo para não chorarem a desilusão,
a lua é cobertor salpicado de estrelas.
Quando a friagem desce, vêm as palhas dos coqueiros,
oferecendo teto breve nas noites traiçoeiras.
Eu queria cantar, e as lágrimas enxugar
com o sopro do vento.
Mas — negado o alento — a ti e a mim
sobra a noite lúgubre; e, ao longe, o estardalhaço:
barulho sem consolo, martelo na lembrança.
Bebi o que pude; e, no fundo do copo,
enxuguei as lágrimas.
Coração sofrido, amargo, evito querelas.
Busco viver em harmonia com os tronchos como eu,
que dividem as calçadas: o pranto escorre no manto
da Virgem Maria dos Desamparados.
Então vem o toque do silêncio:
o condutor da calçada chegou.
É ele quem dá as ordens
a todos os condores da desgraça — sem jaça.
Sofrências de vidas itinerantes,
libertas e acorrentadas nesta terra rica e sinistra.
Observa onde estás:
nos patamares altos, com lençóis de cetim, és pela vida amparado.
Quanto a nós, esperamos a morte — certa —
ou a bala perdida.
O medo é nossa guarida neste mundo infernal
de injustiças e dores, tão longe dos amores.
*Maria Inês Machado é psicóloga, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Intervenção Psicossocial à família. Possui formação em contação de histórias pela FAFIRE e pelo Espaço Zumbaiar. Gosta de escrever contos que retratam os recortes da vida. Autora do livro infantojuvenil 'A Cidade das Flores'.


