As aventuras de Cacimba 13 — Cacimba e o circo dos sumiços (o trapezista que roubava o sentido da vida)
08/11/2025 -
Por Zé da Flauta*
Em Pedra Louca, tudo começou a sumir. Gente, objetos, palavras. O padeiro sumiu no meio da massa. A professora desapareceu junto com a palavra “esperança” escrita no quadro negro. Até o sino da igreja perdeu o som, ainda balançava, mas não fazia mais barulho.
O povo, assustado, cochichava com os olhos. A cidade andava torta. Os sonhos, desbotados.
Foi nessa névoa de dúvida que Cacimba chegou. Vinha montado num jumento filosófico que nunca repetia o mesmo passo. Trazia seus dois conselheiros imaginários nos ombros, Simão, o macaco da razão e Sebastião, o macaco da emoção, um de óculos escuros e o outro com os olhos marejados.
Ao pisar na praça, Cacimba sentiu o ar rarefeito da ausência. Algo tinha arrancado pedaços da realidade.
— Tem mágica de má-fé nesse circo, sussurrou Simão.
— Ou uma saudade que perdeu o caminho de volta, chorou Sebastião.

Diante da lona vermelha, onde lia-se “Circo dos Sumiços – Hoje: O Espetáculo Invisível”, Cacimba soprou uma gaita feita de osso de promessa e entrou. Lá dentro, o palhaço não ria, a bailarina dançava sem sombra, e o trapezista não caía, porque não existia.
No picadeiro vazio, um vulto girava: era O Trapezista do Tempo, um ser feito de horas roubadas, com olhos de relógio e boca de calendário vencido.
— Por que sumir com o que mais importa? perguntou Cacimba.
A voz veio como eco:
— Porque as pessoas esqueceram como olhar. Eu só apago o que ninguém mais sente.
Cacimba então parou. Consultou seus macacos.
Simão disse:
— Temos que provar que a cidade ainda pensa, ainda busca sentido.
Sebastião respondeu:
— E que ainda sente. Mesmo com medo.
Foi quando Cacimba pegou um espelho feito de água parada, colocou no centro do picadeiro e disse:
— Vamos refletir o que sumiu.
Pediu ao povo que olhasse o espelho com saudade verdadeira. Aos poucos, o som voltou ao sino, o padeiro reapareceu coberto de farinha, a professora chorava abraçada com a palavra "esperança", e até o som da chuva, que ninguém ouvia há anos, caiu sobre a lona.
O Trapezista sumiu com um último giro, tragado pela própria falta de sentido.
Antes de partir, Cacimba subiu no picadeiro e disse:
— Nunca deixem de olhar com verdade, pensar com coragem e sentir com profundidade. É assim que se impede o sumiço da alma.
Montou no jumento. Simão cochilava, Sebastião cantarolava, e Cacimba sumia devagar pela estrada, deixando na lona um bilhete:
"A imaginação é a única luz que os sumiços não apagam."
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.


