Olinda e Recife - Amores, Rancores e Pontes - Quando a fé perdeu para o frete, por Zé da Flauta*
10/11/2025 -
Dizem que todo amor mal resolvido deixa uma fronteira. A de Olinda e Recife é dessas, antiga, salobra e cheia de ressentimentos. No começo, era só uma história de família: Olinda, a irmã mais velha, nobre, elegante, de colina e confessionário, e o Recife, o caçula atrevido, de pés descalços, cheiro de peixe e sotaque de cais. Enquanto Olinda rezava ladainhas, o Recife gritava preços de açúcar. Um amor impossível entre o latim e o pregão.

Ciúme
Por um tempo, viveram em harmonia: Olinda mandava, o Recife obedecia. Mas o porto cresceu, o dinheiro começou a circular e os mascates descobriram que o mar dava mais lucro que o engenho. Aí o ciúme subiu o morro.
Ferida no orgulho
Olinda, ferida no orgulho, dizia que o irmão estava metido a besta, que falava alto demais e andava cercado de estrangeiros. O Recife respondia: “Não tenho culpa se os navios me querem!”. Foi o primeiro divórcio da história urbana do Brasil.
A fé e o lucro
Quando o rei de Portugal assinou o papel que dava independência ao Recife, Olinda chorou. Disse que era um absurdo, uma ingratidão, um golpe de Estado! E foi mesmo, o primeiro de muitos. A aristocracia olindense pegou em armas e desceu o morro, gritando contra os mascates. Mas era tarde, o comércio já tinha aprendido a se governar. Olinda ficou com as igrejas e as ladeiras; o Recife, com as pontes e os contratos. Um ficou com a fé, o outro, com o lucro. E desde então, nenhum dos dois se confessou mais.
Ex-amantes
Mas o tempo, esse grande pacificador, tratou de mostrar que ambos precisavam um do outro. Sem Olinda, o Recife teria perdido a alma, sem o Recife, Olinda amargava o prejuízo. Hoje, as duas se olham de longe, como ex-amantes que ainda trocam mensagens em dia de carnaval. O Recife finge que é moderno, Olinda finge que é antiga, mas um depende do outro para existir. No fundo, ainda se amam, e talvez, filosoficamente falando, o segredo das cidades seja esse: viver brigando, mas sabendo que nenhuma é completa sozinha.
Até a próxima!
*Zé da Flauta é músico, compositor, filósofo e escritor.


