COP30 Belém: um fundo sem fundos e um buraco sem fim - Por, Emanuel Silva*
10/11/2025 -
Em 2025, o Brasil volta a ser manchete mundial: a COP30 acontece em Belém, capital de um estado que ainda despeja esgoto nos igarapés, que vive sob baixa cobertura de saneamento (apenas 14%) e ostenta o segundo pior IDH do país (0,72).
É a fotografia perfeita da contradição nacional: o país que não garante água tratada a 35 milhões de pessoas, nem coleta de esgoto para metade da população, quer salvar o planeta.
Por duas semanas, o meio ambiente virou o centro da narrativa. Painéis, estúdios, discursos e promessas.
Hummm… quanto está custando a imagem verde? Só entre propaganda institucional, viagens, diárias e eventos preparatórios, o gasto federal direto já ultrapassa R$ 178 milhões (Portal da Transparência, 2025).
E, no meio disso tudo, uma pergunta persiste:
Quem controla, quem aplica e quem fiscaliza o dinheiro prometido para o clima?
O “Fundo Verde” e o marketing do vazio
O Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund – GCF) foi criado em 2010 pela ONU com uma meta grandiosa: US$ 100 bilhões anuais dos países ricos para os em desenvolvimento, destinados à mitigação e adaptação.
No papel, o GCF seria o motor da transição ecológica global.
Na prática, virou uma vitrine contábil.
Mais da metade dos valores é empréstimo, não doação; grande parte é reembalagem de programas antigos, e uma fração sequer chegou aos países destinatários.
Em 2022, a OCDE reconheceu que os US$ 115,9 bilhões anunciados incluíam operações duplicadas e créditos de carbono sem liquidez.
Os países ricos cumpriram a meta — mas com dinheiro reciclado.
O Fundo de Perdas e Danos, criado na COP28, segue sem sede, sem plano operacional e com apenas US$ 700 milhões comprometidos, o que cobre 0,3% das perdas anuais climáticas dos países pobres.
É o retrato da chamada “solidariedade de fachada”: prometer é fácil, cobrar é deselegante.
A engrenagem da ajuda internacional: quem dá, como dá, quem gerencia.
O sistema global de financiamento climático é um labirinto de intermediários.
Os principais doadores são países da OCDE — EUA, Alemanha, França, Japão, Reino Unido e Canadá, mas o dinheiro raramente vai direto.
Ele passa por agências multilaterais (Banco Mundial, PNUD, BID, CAF) e fundos intermediários (GCF, GEF, Adaptation Fund), que abrem editais competitivos.
Governos, bancos e ONGs disputam os recursos, e vence quem domina o jargão técnico, não quem entrega resultado.
Uma vez aprovado, o projeto entra por um “agente implementador nacional” — no Brasil, BNDES, FUNBIO ou MMA.
Cada operação paga taxas administrativas, consultorias e comissões de “compliance”, que podem consumir até 20% do valor total antes da execução.
Cria-se, assim, um ecossistema rentável de burocratas, dirigentes de ONGs internacionais, consultores ambientais, escritórios jurídicos de carbono e agências de comunicação “sustentável”.
O resultado é previsível: bilhões anunciados, milhões aplicados e quase nada comprovado.
A ajuda internacional transformou-se em um mercado de relatórios e papéis, onde cada dólar gasto gera cinco páginas de justificativa e uma única foto para o portfólio.
E, de outro lado, a China, maior emissora global (30% do CO? mundial), chega à COP30 com metas que ninguém questiona. Os EUA não participam ; a União Europeia, enfraquecida pela crise energética e pelo custo do Estado de bem-estar, recuou; e os fundos privados — BlackRock, Vanguard e State Street — abandonaram o ESG, substituindo-o pelo eufemismo “transição responsável”.
O planeta reduz o discurso; o Brasil, como sempre, amplia o tom.
A retórica é global; o impacto, local — e difuso.
O Fundo Clima do Brasil: mecanismo, recursos e opacidade.
O Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), criado pela Lei 12.114/2009, é o principal instrumento interno de financiamento de políticas climáticas.
Vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e operacionalizado pelo BNDES, o fundo atua em duas modalidades:
• Reembolsável, com linhas de crédito;
• Não reembolsável, para capacitação, estudos e projetos locais.
Ele é abastecido por participações sobre petróleo e gás, por operações de crédito e doações internacionais.
Em 2025, o Comitê Gestor aprovou R$ 11,2 bilhões em projetos (MMA, abr/2025), mas menos de R$ 5 milhões foram para ações não reembolsáveis.
Segundo o IPEA, entre 2011 e 2021, apenas 38% do orçamento autorizado foi executado, e 70% dos projetos não tinham indicador de resultado.
Relatórios do INESC e do Observatório do Clima reforçam:
dados dispersos, transparência mínima, ausência de painéis públicos e participação social simbólica.
O Fundo Amazônia: bilhões, mas pouco impacto
Desde 2008, o Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES, recebeu R$ 1,3 bilhão (doações da Noruega e Alemanha).
Contudo, menos da metade foi aplicada, a maior parte em projetos de “fortalecimento institucional” — consultorias, ONGs, seminários e capacitações.
Enquanto isso, infraestrutura, saneamento e saúde amazônica continuam abandonadas.
O resultado é visível: crianças Yanomami morrendo de malária e fome, garimpo ilegal em expansão e comunidades ribeirinhas isoladas entre lixo e lama.
Mas Belém sedia a cúpula global da sustentabilidade — e a imprensa prefere o brilho das luzes ao reflexo turvo dos igarapés.
Aldo Rabelo denuncia: E aonde anda o jornalismo investigativo?
O ex-ministro Aldo Rebelo, um dos poucos que ainda ousam nadar contra a corrente, é uma voz no mundo verde. No livro Quinto Movimento, Rebelo alertava sobre o esvaziamento das instituições nacionais e o sequestro do debate ambiental por interesses transnacionais. Agora, volta a dizer — em vídeo recente — que há “uma caixa-preta climática”, uma espécie de fundo sem fundos gerido por burocratas, dirigentes de ONGs, consultores ambientais, operadores de fundos e agências multilaterais que orbitam entre Brasília, Nova York, Bruxelas e Davos. E, infelizmente, os números sustentam a denúncia.
De outro lado, durante a COP30, repórteres se multiplicam nos painéis patrocinados, mas se busca uma reportagem investigativa sobre os fluxos de dinheiro dos fundos.
As manchetes celebram compromissos, nunca contratos. O jornalismo ambiental virou marketing institucional. Quem pergunta “onde está o dinheiro?” é acusado de “desinformar”.
A velha imprensa, que deveria fiscalizar o poder, tornou-se consultora de imagem do poder.
A síndrome da grandeza: do Maracanã ao Igarapé
A Copa de 2014, as Olimpíadas de 2016 e agora a COP30 de 2025 formam uma trilogia de obras, cronogramas, slogans e marketing — com orçamentos inflados e o mesmo legado: muito concreto e poucas soluções.
Em poucas semanas, quando o último painel for desmontado e os microfones se calarem, restará apenas o silêncio das águas escuras dos igarapés — o verdadeiro espelho da nação.
No fim, a COP30 será lembrada como marco da sustentabilidade ou como mais um episódio de vaidade nacional? Talvez como um 7x1 climático.
Houve um tempo em que ainda existiam artistas rebeldes, que cantavam sem patrocínio e perguntavam
Onde está o dinheiro?
O gato comeu, o gato comeu
Que ninguém viu
O gato fugiu, o gato fugiu
E seu paradeiro está no estrangeiro
Onde está o dinheiro?
Eu vou procurar e hei de encontrar
E com o dinheiro na mão
Eu compro um vagão
Eu compro a nação
Eu compro até seu coração (Onde está o dinheiro, Gal Costa, 1984)
Mas parece existe um anestésico amansou estes jovens (hoje velhos) rebeldes, da mesma forma que imobiliza o povo para o espetáculo do Ano Novo e do Carnaval.
Mas com as Águas de Março, virá a ressaca e as dívidas. Porém, se reciclarão novas promessas.
Um saco sem fundos. Um buraco sem fim.
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre confronto de ideias e acolhe o contraditório.


