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Ditadura derrotada e a História do Brasil revisitada, por Jarbas Beltrão*

11/11/2025 -

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A Presidente do STM ( Superior Tribunal Militar), em evento ecumênico na Catedral da Sé em São Paulo, pediu desculpas à sociedade pelos "crimes cometidos" ou "omissões" da Corte, durante o período dos anos 1964/ 1985. O evento se deu como lembrança da passagem da morte covarde do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do II° Exército em São Paulo.

Vladimir Herzog

Fora convocado para prestar depoimentos de inquerito que corria naquela sede militar, As dependências eram utilizadas por grupos "mistos" empregados na repressão política.
Grupos para-legais da "Oban" (Operação Bandeirantes ). Eram então formados por membros especialmente escolhidos dentro das três Forças Armadas, somados a membros da Policia Civil e Policia Militar e voluntários da sociedade, apoiadores de tratamento "duro" aos dissidentes do regime politico, sobretudo os da esquerda comunista.
Todos sob o comando de um delegado dos quadros da Policia Civil.

Convocado

O jornalista Herzog, que tinha relação próxima ao PCB (Partido Comunista Brasileiro ), apresentou-se espontaneamente, e nunca mais voltou. A esposa foi à sua procura. Entretanto, nenhuma informação plausível foi dada.
Dias após, surgem fotografias de Herzog como enforcado. A versão divulgada era de que o jornalista teria provocado sua morte por enforcamento. Parte da imprensa divulgou que o "suicídio" teria ocorrido após interrogatórios, sob tortura dos grupos da "Oban" (Operação Bandeirantes). A Oban foi um grupo da repressão que teve em suas mãos muitos prisioneiros, majoritariamente, de extrema esquerda, alguns perderam suas vidas.





Combate diferente no período varguista

Aqui faço um parêntese, uma viagem no tempo histórico, para chegar na repressão aos participantes da "Intentona Comunista de 1935", movimento nascido nos gabinetes da 3a. Internacional Comunista - (Comintern). Também o trabalho da repressão política está escrito como ações violentas contra a oposição comunista ao regime getulista
Descoberta a trama da ALN ( Aliança Libertadora Nacional) e PCB , para estabelecer um regime nacional-comunista no Brasil, seus líderes foram presos aos milhares, por uma polícia especial, sob comando de Filinto Müller, capitão de Exército, chefe da polícia de Vargas. Comandava prisões, investigações e depoimentos (vide Morais, Fernando:"Olga" ; Waak, William: "Camaradas").
O trabalho repressivo fora diretamente ligado à Presidência da República, e os prisioneiros eram colocados em cárceres do Estado.




Diferenças entre ditaduras

No caso, teremos uma diferença entre o período da tirania varguista, naquela altura governo constitucional pós aprovação da Constituição de 1934 e a ditadura politica de 1964. Diferenças que se deram quanto aos "modus operandis" dos aparelhos repressivos: Passado mais de meio século, veio um pedido de desculpas da atual presidente do STM, pelo que ela chamou de erros e omissões da Corte naquele período de Ditadura Politica de 1964. O pedido de perdão, não pessoal, mas em nome da corte militar, foi feito na presença de icônicas figuras da oposição de esquerda ao regime civil-militar, presentes . Figuras da oposição esquerdista da época e dos participantes da guerrilha do Araguaia do PCdoB.

'Reação'

A fala provocou, posteriormente, em Plenário do STM registro da reação de um dos membros daquele tribunal superior. Ao mesmo tempo, deve ter soado estranho para muitos cidadãos de mais de 60 anos , rigorosamente, os cidadãos brasileiros que hoje fazem a máquina Brasil funcionar. A reação foi de um membro militar, oficial-general da ativa, ministro daquela corte. Sua voz contra a ação da ministra, apresentou o seguinte caráter: "Pode ter falado no nome dela, não em meu nome ou de outros membros da corte. A ministra desconhece aquele contexto histórico e a História do STM".

A presidente extrapolou?

Pela fala do ministro-militar, parece que a presidente pulou a cerca, entusiasmada (talvez ?) pelo clima de emoções. O fato é que estremeceu o ambiente daquele tribunal. A presidente não teria respeitado sua posição que exigia moralidade e impessoalidade, inerentes para sua posição funcional. E misturou pessoal com institucional.
Parece que existem grupos dentro das Instituições nacionais que pressionam as mesmas para se curvarem aos que hoje controlam o Estado Nacional. Diante da fala do militar, a presidente respondeu com o argumento seco, vazio e típico da cultura "wokeista". Chamou o colega de "misógino". Essa lacração da moda, foi pronunciada para calar o oponente, como fascista e outras adjetivaçções largamente usadas.

75 mil recursos

A Comissão de Anistia tem em seus arquivos mais de 75 mil pessoas que recorreram a reparações econômicas e pedido de perdão por terem sofrido perseguições durante o periodo 1964/1985; segundo a Lei de Anistia de 1946 a 1974 (Atenção é 1946 e não 1964). Destes recorrentes, em torno de 1/4 foram anistiados, com perdão ou reparação econômica.

Mortos e desaparecidos

A Comissão tem cadastro de aproximadamente 245 mortos e desaparecidos.
Na verdade muito pouco para uma população em média de mais de 120 milhões de habitantes. Mesmo sendo pequeno número, não é justificativa para que o estado brasileiro cometesse crimes contra cidadãos que divergiram do regime. Não podemos, por outro lado, fechar os olhos para o reconhecimento de que os grupos de esquerda tomaram para si a exclusividade da luta armada contra o regime daquela ditadura politica. Lembro a fala do jornalista e ex-deputado federal ex- militante da extrema esquerda Fernando Gabeira: "Nós éramos contra ditadura militar, mas queríamos substitui-la por uma ditadura do proletariado".

Ditadura revisitada

Elio Gaspari na sua obra, "O sacerdote e o feiticeiro. A ditadura derrotada - volume de sua coleção sobre o regime político implantado em 1964, nos traz um interessante diálogo entre figuras importantes à epoca, o coronel da reserva Golbery do Couto e Silva e o general da reserva Ernesto Geisel. O primeiro foi um estrategista do movimento anti-Goulart, e líder intelectual da Escola Superior de Guerra, co-fundador daquela escola militar, um tecnocrata, à época respeitadíssimo. Inclusive, um dos grandes nomes da geopolitica no Brasil. O segundo, Ernesto Geisel, de passagem pela Presidência da República, um homem que vivia modestamente, sisudo, chegado a poucas palavras. Presidiu a maior das nossas empresas - a Petrobras - tornou-se presidente da República, escolhido, como de praxe, à época, pelo Congresso Nacional, como definia a Constituição de 1967, promulgada pelo Congresso Nacional no regime político da ditadura.

Longe demais

Golbery, comentando a morte covarde de Herzog, teria afirmado para o presidente: "Isso não podia acontecer, nem pode continuar, estão indo longe demais. Excelência, ou fazemos alguma coisa, ou seremos os próximos a passar por essa indesejável situação". O diálogo nos deixa lugar para a reflexão. Não sei se é domínio de alguns grupos de historiadores e jornalistas, mas é muito claro, que suas versões não conseguem chegar aos interessados no tema.





Grupos divergentes

Dentro do regime coexistiam vários grupos. Havia, um "núcleo duro" que nem sempre era dominante no circuito mais alto do poder, mas se misturava a outros grupos, aqueles mais tecnocráticos do que ideológicos. Esses últimos mais ligados a avanços econômicos. Aquele "núcleo duro" teria raízes no ex-presidente e ex-ministro da Guerra Arthur da Costa e Silva. Chegado a dar murros na mesa. Esse "núcleo duro", era formado por setores que se abrigavam e apoiavam os antigos DOPS estaduais e entidades que atuavam ilegalmente, como a Oban e o Doi-Codi. Os responsáveis pelo trabalho sujo, que incluía sequestrar, prender ilegalmenre, tortutar e matar.

As ilegalidades

Os grupos semi-legais ou totalmente ilegais não eram poder mas se achavam blindados pelo "núcleo duro" , que tinha poder. Podiam cometer as mais absurdas arbitrariedades e se beneficiavam com o prestígio em outros círculos. Assim, invadiam residências de perseguidos, saqueavam as mesmas em termos de dinheiro e objetos de valor.
E tinham apoios e benefícios financeiros.

Diferenças

Então as diferenças entre os dois cenários históricos - era varguista e regime de Ditadura política de 1964 - eram que o primeiro usou o trabalho de uma Polícia Especial. No segundo, o trabalho era executado por grupos especiais ("Oban e "Doi-Codi") muitas vezes em instalações militares, mas nem sempre contando com a aprovação de todos os grupos do Poder.
Daí o diálogo entre Golbery e Geisel. Pode-se concluir que a dura repressão em cima de grupos de opositores ao regime militar, não foi "política oficial e majoritária" do regime. Embora houvesse uma leniência em relação aos "duros" , que comandavam os porões.

Fica dito.

*Jarbas Beltrão é Historiador e professor de História da UPE. Mestre em Educação pela UFPB. MBA em Política Estratégia Defesa e Segurança pela Adesg e Faculdade Metropolitana São Carlos - SP.

NR - Os textos assinados expressam a opinião de seus autores, não necessariamente coincidentes com a linha editorial de O Poder.
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