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Dessalinizador solar muda vida no interior

16/11/2025 -

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Por Severino Lopes*

A célebre frase “O Sertão vai virar mar”, atribuída ao líder religioso Antônio Conselheiro, ainda no século XIX, precisamente em 1833, transcendeu o tempo e de certa forma, virou realidade. A frase histórica, transcrita no livro ‘A Noite das Grandes Fogueiras’, de Domingos Meirelles,relacionada à Guerra de Canudos, conflito que ocorreu no Sertão da Bahia, ecoa até hoje com o auxílio luxuoso dos versos de Sá e Guarabyra. E a profecia está se cumprindo no Nordeste. Não só no Sertão, mas em outras regiões historicamente castigadas pelas secas. Só que, agora, com ajuda da natureza e da tecnologia.

Nos últimos anos, uma tecnologia prática e barata, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), tem transformado regiões do Estado e proporcionado melhorias no campo. O equipamento é simples, de fácil manutenção e baixo custo: Um dessalinizador solar. Conssiste em uma tecnologia social desenvolvida pelo professor Francisco José Loureiro Marinho, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais (CCAA) Câmpus II, localizado na cidade de Lagoa Seca.

A escassez de água

Historicamente, a escassez de água é um problema que afeta os nordestinos e, particularmente, os paraibanos. As longas estiagens comprometeram a agricultura, inviabilizando uma cadeia produtiva e prejudicando o desenvolvimento econômico e social do estado. Que diga o agricultor Reginaldo Bezerra de Lima, morador de Caraúbas, no Cariri do Estado, que já enfrentou várias secas, inclusive algumas rigorosas, que dizimaram o gado e deixaram açudes e barreiros secos. Em entrevista a O Poder, Reginaldo Bezerra lembrou das secas severas que já enfrentou, e o drama para conseguir água. Tudo era difícil. Muita luta. Um sofrimento.



Anos de secas

Ele lembrou que em anos de secas prolongadas, a exemplo do que ocorreu nos anos 1980, a população chegou a disputar água com os animais. Uma luta pela sobrevivência. E a água, tão preciosa na região, era de péssima qualidade. “Nós já enfrentamos muito período de estiagem desde a minha infância. Eu lembro aquela seca nos anos 1980, onde a gente disputava água com os animais. Quando a gente tentava pegar água nas cacimbas, disputava com os guarás, com a raposa, com o sapo. Á água era barrenta, tinha gosto de urina de vaca, mas a gente tinha que beber porque não tinha opção”, relatou.

“A opção que tinha era aquela. A seca de 1993, que foi o ano que não deu uma única chuva aqui nessa região, foi extremamente severa. Os anos seguintes 98, 99, 97, 2000, 2001, 2002, 2003 foi outro ciclo seco que enfrentamos” lembrou Reginaldo Bezerra.

Água de péssima qualidade

A água de péssima qualidade também afetava a saúde da população. A esposa de Reginaldo, a agricultora Rosinete de Freitas Bezerra, revelou que na época em que precisava buscar água em cacimbas e barreiros, ela e sua família sofriam com dor de barriga e outras doenças. “Era só Deus mesmo para a gente poder sobreviver naquele tempo com água de péssima qualidade”, afirmou.

Dependia do carro-pipa

Durante muito tempo, o agricultor dependeu dos programas emergenciais do governo, especialmente, da operação carro-pipa, coordenada pelo Exército e que leva água ao semiárido nordestino.

Só que mesmo em regiões secas, afetadas pelos eventos climáticos, existe água. Na terra em que a água vale ouro e que representa esperança, sonho, vida e fartura no campo, a riqueza está no subsolo. Para retirá-la é preciso vencer uma camada de rocha profunda para perfurar o poço. Mesmo assim, a água que brota é salobra. Muito salgada. Imprópria para o consumo humano.

O dessalinilizador tem favorecido produtores, animado o homem e a mulher do campo e feito jorrar água cristalina, como uma alternativa em tempos de crise hídrica. Já garante água de qualidade a mais de 80 mil paraibanos. O equipamento transforma água salobra em potável. Foi produzido a partir de uma experiência envolvendo estudantes do curso de Agroecologia e membros da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (COONAP). Cada uma das casinhas pode produzir até 16 litros de água doce por dia. Água potável. Da melhor qualidade.

Conversa com O Poder

Esta semana, com a COP 30 em andamento, Loureiro conversou com O Poder e deu detalhes de sua invenção que já se transformou em uma alternativa sustentável para a convivência do nordestino com a seca. O aparelho é de baixo custo e, segundo ele, foi desenvolvido por meio da captação de energia solar, retirando o sal da água com a ajuda da evaporação.



Água potável

O projeto foi batizado de “Dessalinizador solar para fornecer água potável para as famílias da Zona Rural do Nordeste brasileiro”, e beneficia atualmente cerca de 200 famílias em cidades do Semiárido paraibano onde, historicamente os índices pluviométricos são considerados baixos, segundo a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado (Aesa). Com atividades de pesquisa iniciadas em 2010 e construídas com vidro, cimento e lonas, o equipamento funciona como uma estufa, abastecida com água salobra proveniente de poços. Com o calor do sol, a temperatura da água pode atingir até 70°.

O valor

O vapor gerado sobe, condensa no vidro, escoa por canaletas e se transforma em água própria para consumo humano. O sal, que não evapora, fica depositado na lona, conforme explicou o professor Francisco Loureiro. A manutenção do sistema é feita pelas famílias que precisam apenas limpar a lona para que o equipamento volte a funcionar normalmente.

Tecnologia social

Custando entre R$ 3 e R$ 4 mil para produzir todo o equipamento, incluindo uma “casinha” feita de pré-moldados de alvenaria, o projeto já instalou cerca de 200 dessalinizadores em 10 cidades da Paraíba e até em outros estados. No total, conforme explicou o professor Francisco Loureiro, foram instalados 10 deles em Remígio; 10 em São Vicente do Seridó; 10 em Cubati; 70 em Caraúbas; 15 em Monteiro, 10 em Soledade, 20 em Cuité, cinco em Campina Grande, cinco em Queimada; 10 Caraúbas e 21 e Santa Luzia. Também foram instalados 10 dessalinizadores em Pernambuco e um no Ceará.

De acordo com o professor, o equipamento já se tornou uma tecnologia social, e tem mudado a realidade da região e a vida de agricultores paraibanos, além de impulsionar a economia local. O objetivo é ofertar água de qualidade para as famílias que convivem com a escassez de água. Em algumas regiões do Semiárido, a água dos poços contém até sete gramas de sal por litro, enquanto o limite para ser considerada potável é de meio grama por litro. Além de desenvolver a tecnologia, o projeto tem ensinando agricultores a desenvolverem os próprios dessalinizadores solares, utilizando produtos simples encontrados no próprio campo.



Treinamentos

Para isso, vários treinamentos foram ministrados em parceria com a Associação de Profissionais em Agroecologia (APA), ONG formada por egressos do curso de Agroecologia. Esse trabalho tem à frente o pesquisador Wanderley Feitosa Viana. Formado em Agroecologia e com mestrado na área, Wanderley Viana está no projeto desde 2013.

O presidente da Associação dos Profissionais em Agroecologia garante que o dessalinizador solar apresenta baixo custo de implantação e manutenção, possibilitando segurança hídrica por meio do fornecimento de água potável, além de promover a transformação social frente a gestão dos recursos hídricos locais, utilizando a energia solar (limpa e renovável) para a promoção de água potável, além de possibilitar a convivência com o Semiárido.

Para Francisco Loureiro, os dessalinizadores solares funcionam como se fosse um grito de independência de agricultores em relação aos caminhões-pipa. “Muitas vezes o caminhão-pipa não fornece água em quantidade e qualidade adequada e o agricultor passa a ser um passivo para a sociedade. No momento que ele tem água para beber de excelente qualidade e através de outras tecnologias como barragem subterrânea, cisterna de grande porte, poços e etc., tem água para suas necessidades pessoais e de irrigação. Assim ele passa a ser um ativo na sociedade”, destacou.

*Severino Lopes é editor regional de O Poder

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