Reforma Tributária 47: Não-Cumulatividade Plena nos Serviços Extrajudiciais: É Viável? - Por Rosa Freitas*
17/11/2025 -
Entendendo a Reforma Tributária no dia a dia dos cartórios
1. O problema
Quando se fala em cartórios, muita gente imagina instituições riquíssimas. Isso não corresponde à realidade: a maioria é pequena, tem movimento financeiro modesto e enfrenta altos custos para funcionar — funcionários, sistemas de informática, exigências do CNJ, segurança da informação, manutenção de instalações etc.
Mesmo assim, os cartórios são obrigados a entregar um serviço perfeito à população. E agora, com a Reforma Tributária (LC 214/2025), surgiu uma grande dúvida: os cartórios poderão aproveitar integralmente créditos tributários, como prometido pela chamada “não-cumulatividade plena”?
Essa pergunta é importante porque os cartórios têm uma situação muito diferente das empresas comuns:
Não podem escolher regime tributário como Simples, Lucro Real ou Presumido;
A atividade é delegada pelo Estado (art. 236 da Constituição Federal);
O responsável pelo cartório paga Imposto de Renda como pessoa física, no limite máximo de 27,5%;
A base para esse imposto é a receita de emolumentos.
O grande problema atual já aparece no IRPF: o cartório só pode deduzir gastos que a Receita Federal considera “indispensáveis”, e não tudo o que é realmente necessário para manter um serviço moderno e eficiente.
2. IRPF como precedente
As normas e decisões da Receita Federal mostram que não conta qualquer despesa, e sim apenas aquelas que o Fisco entende como essenciais para a prestação do serviço.
Exemplo: muitas melhorias importantes — tecnologia, softwares, mobiliário, estrutura de atendimento, certificações — são úteis, mas podem não ser consideradas “indispensáveis”.
Esse histórico rígido liga um sinal de alerta: se essa lógica for aplicada também ao IBS/CBS, a não-cumulatividade prometida pela Reforma Tributária pode não funcionar plenamente para os cartórios.
3. O que esperar da não-cumulatividade do IBS/CBS
A LC 214/2025 prevê que os contribuintes (inclusive os cartórios) terão direito a créditos tributários sobre algumas despesas. Porém, como a lei exige que esses gastos sejam indispensáveis à atividade, surgem os riscos:
Risco - Consequência
Crédito negado para despesas consideradas apenas “úteis” Menos incentivo para modernização e digitalização
Critérios rígidos para crédito Dificuldade para acompanhar exigências do CNJ (e-Notariado e outros)
Diferença de tratamento entre clientes pessoas físicas e jurídicas Insegurança tributária e operacional
Redução da capacidade de reinvestimento Impacto direto na qualidade do atendimento
Ou seja: a não-cumulatividade pode existir no papel, mas não na prática — principalmente para os cartórios pequenos, que já funcionam no limite financeiro.
Conclusões Principais
1. A ideia de “não-cumulatividade plena” dificilmente beneficiará os serviços extrajudiciais da forma prometida, se aplicada com a mesma rigidez do IRPF.
2. A maior parte dos cartórios não é “rica”, como costuma se imaginar — são pequenos estabelecimentos com altos custos e muitas obrigações.
3. Créditos tributários limitados podem reduzir ainda mais a capacidade de modernização, justamente num setor pressionado pelo avanço tecnológico e pelas normas do CNJ.
4. Sem regulamentação complementar ou interpretação mais flexível, a Reforma Tributária pode gerar insegurança jurídica e prejudicar cartórios — especialmente os menores.
5. Uma leitura sensível às particularidades do serviço extrajudicial é necessária para que a Reforma Tributária cumpra seu objetivo de estimular eficiência, e não o contrário.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 6.015/1973. Dispõe sobre os registros públicos.
BRASIL. Lei nº 7.713/1988. Altera a legislação do Imposto de Renda.
BRASIL. Lei nº 8.935/1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal.
BRASIL. Lei nº 9.250/1995. Altera a legislação do IRPF.
BRASIL. Lei nº 9.532/1997. Dispõe sobre a incidência do IR.
BRASIL. Lei nº 10.169/2000. Normas gerais de emolumentos.
BRASIL. Lei Complementar nº 116/2003. Dispõe sobre o ISSQN.
BRASIL. Lei Complementar nº 157/2016. Altera a LC nº 116/2003.
BRASIL. Lei Complementar nº 214/2025. Regulamenta o IBS e a CBS (Reforma Tributária).
BRASIL. Decreto nº 9.580/2018. Regulamento do Imposto de Renda.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Provimento nº 100/2020 — e-Notariado.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Provimento nº 181/2024 — uso obrigatório do e-Notariado.
COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL (CNB). Plataforma e-Notariado: diretrizes operacionais.
*Rosa Freitas é Doutora em Direito, advogada, sertaneja, poetisa e autora de artigos e livros jurídicos, dentre eles "A reforma tributária e seus impactos nos Municípios", "Gestão Municipal de Residuos Sólidos" e "A reforma tributária e suas implicações nas compras governamentais e serviços públicos", Editora Igeduc.
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