Andrea Beltrão interpreta Mércia Albuquerque Por Natanael Sarmento*
18/11/2025 -
Emocionante. O espetáculo Lady Tempestade é sucesso de público no Sul e Sudeste. Recebe elogios da crítica. Estará no templo das artes cênicas do Teatro Santa Isabel do Recife nos dias 20, 21 e 22 deste mês.
A Peça
Monólogo inspirado no diário da advogada pernambucana Mércia Albuquerque. Patrocinadora dos sequestrados políticos – presos sem mandados judiciais. Mércia faz parte dos raros causídicos do Brasil a patrocinar defesa de “subversivos”, assim se chamavam todos os opositores da Ditadura. Com a sua humanidade, ela compartilhou do drama dos presos e dos familiares, sob o terror à repressão dos anos de chumbo (diários de 1973 a 1974).
Produção
Texto de Sílvia Gomes. Direção, Yara Novaes. Dramaturgia, Dina Salem Levy. Cenografia, Marie Salles. A Andrea Beltrão interpreta as anotações de Mércia em monólogo. Dignos de premiação.
Caravanas
Membros de Comissões estaduais da Verdade e ativistas de direitos humanos da região se mobilizam para prestigiar a peça em Recife. Sabe-se que o Roberto Monte da Pós TV DHNET potiguar organiza caravana festiva, com orquestra de frevo e boneco gigante da Mércia, show à parte, a se conferir.
Batemos na porta dela
Eu e Fátima Araújo batemos na porta da advogada Mércia. Tratamos dos sequestros do irmão dala Leonardo Cavalcanti e da minha Dionary Sarmento.
Acolhimento
Mércia acolheu os dois jovens desesperados com compaixão. Não cobrou honorários advocatícios. Aqueles dois estudantes não tinham grana para um pastel. Mas foi diligente, profissionalmente, como os melhores advogados, regiamente pagos.
Tempo da maldade
Diferentemente da bela canção do Chico Buarque que diz “no tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido”, infelizmente, tínhamos. Era uma juventude sufocada pelo terror de Estado, pela censura, sequestros, torturas, assassinatos, atentados, exílios. Temia-se pela liberdade, pela integridade física, pela vida. Desconfiava-se de colegas de escola, de trabalho, vizinhos. Todos os sentimentos trágicos produzidos por regimes totalitários e fascistas.
Mortos e desaparecidos
O Estado brasileiro reconhece a morte e o desparecimento de 434 pessoas. Foram milhares sequestrados e exilados. Centenas de torturados. O Relatório da Comissão Nacional da verdade estima a morte de 8.350 indígenas por agentes do governo, entre 1964-1985. É um caixa-preta que precisa ser aberta e os criminosos punidos por seus atos, porque a lei de anistia à brasileira colocou no mesmo plano as vítimas e os algozes, os torturadores e os torturados, em nome de uma “pacificação” que os sucessivos golpes tentados e executados depois da anistia desmentem.
Crianças torturadas
A ditadura torturou crianças. Filhos e filhas de opositores sofreram torturas físicas e/ou psicológicas. Familiares sofreram danos morais. Assim Dionary Filha, 9 anos, Rosa Verônica, 8 anos, Lourival Esperidião, 7 anos e Marta Cavalcanti, 2 anos, viram a mãe Dionary arrancada de casa pelos agentes da repressão. Quantas crianças e adolescentes viram os entes queridos nessa situação? Quantos voltaram a vê-los? Na história dessas ignomínias destacava-se o Delegado Fleury. Torturou com eletrochoques Alexandre Azevedo bebê de nove meses, em São Paulo, em 1974. Crueldade inominável para obrigar os pais sob interrogatório dos subterrâneos da ditadura a dizerem o que sabiam e o que não sabiam. Nem os nazistas foram tão longe.
Lembrar para não esquecer
Para o jovens que não nasceram no tempo da maldade, conto episódio de minha vivência pessoal. A primeira vez que perdi o encanto do sorriso infantil foi em 1964. Morávamos em Natal/RN. Tropas do Exército invadiram o Avenida Hotel, na Ribeira. Minha mãe Rosa era hoteleira, devota de Santa Luzia. O meu pai, Salomão Sarmento de Morais, comunista. No dia do golpe, Salomão evadiu-se. Teve a foto publicada como fugitivo na primeira página de jornal local. Só voltaria a reencontrar meu pai em 1967. Momento de muita tristeza.
No enterro de Rosa, eu, órfão de mãe; ele, viúvo e preso, sob escolta policial, liberado para o “ato fúnebre de fé e piedade cristã”.

A Lady Tempestade?
É um espetáculo imperdível. O acesso à peça é gracioso para o público pelo mecanismo da Lei 8.313/91(Rouanet) de incentivos fiscais à promoção da cultura.
Cultura
Tão atacada pelos obscurantistas da Terra Plana, pelas governanças da extrema direita fascista, apologistas da ditadura, da censura, do AI-5, os terroristas do 8 de Janeiro. Mas eles não passarão. Afinal de contas, “ainda estamos aqui”.
*Natanael Sarmento é professor e escritor. Do Diretório Nacional do Partido Unidade Popular Pelo Socialismo.
NR - Os artigos assinados refletem a opinião dos seus autores.


