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Polêmica como antigamente -  E quando o “ponto final” vira reticência?, por Jorge Pinho

19/11/2025 -

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“Quando o crime se torna costume no topo do poder, a indignação seletiva deixa de ser virtude e passa a ser cumplicidade.”
 
I. Preâmbulo — Quem começa, quem encerra
 
Há articulistas que acreditam ser também árbitros do debate. Abrem a polêmica, lançam acusações, convocam adversários — e, quando a conversa não segue o roteiro previsto, decretam: “ponto final”. Foi o que fez Natanael Sarmento em “Ponto final na polêmica da chacina”.
 
 
Chamou
 
O mesmo Natanael que, semanas atrás, me chamou de “hegeliano místico”, “idealista nebuloso” e “liberal fascista”, agora decide que “tem mais o que fazer”. Faço um registro bem-humorado: desta vez, conseguiu enfim escrever corretamente o meu nome completo. Talvez esteja começando a me ler — o que já é um avanço dialético.
 
 
“Encerramento”
 
Quanto ao “encerramento”, não posso acompanhá-lo. Debate público não se fecha por decreto; fecha-se quando se esgotam os argumentos — e os dele, infelizmente, ficaram devendo.
 
II. A acusação de mentira — quando a palavra pesa mais que a prova
 
Natanael afirma que eu teria mentido ao dizer que ele mudou de tom quando confrontado pelos fatos. A acusação é grave. A prova, inexistente. Ele não mostra a frase, não aponta o trecho, não contrasta texto com realidade — apenas sentencia.
 
Examinou
 
Meu ensaio anterior examinou algo evidente: um primeiro texto em que a polícia era “chacina” e o Estado era “comitê da burguesia”; e um segundo, sobre Napoleão, Hegel e Marx, em que o tom se tornava abstrato, difuso, matizado. Isso é constatação, não fraude.
 
A palavra
 
Se a palavra “mentira” entra exatamente para evitar o confronto sereno entre textos, então não é a verdade que está sendo defendida — é a irritação.
 
III. O cavalo alheio e o espelho
 
Natanael diz que montei “no cavalo alheio” ao analisar seu artigo filosófico. Não procede. Ele mesmo me citou diversas vezes, atribuiu-me posições que não defendi e apresentou o texto como continuação da polêmica. Apenas segui a trilha que ele mesmo abriu.
 
Convida
 
Quando um articulista invoca Hegel, Marx e Napoleão em jornal de circulação, ele convida o leitor a examinar a direção da montaria. Se não gosta do que vê no espelho, o problema não é do espelho.
 
IV. O truque retórico: repetir o diagnóstico, fugir da crítica
 
O novo texto de Natanael repete a cartilha marxista — Estado burguês, violência estrutural, elites predatórias — mas foge da crítica central: chamar operações policiais de “chacina” sem analisar caso a caso é achatar realidades complexas; confundir facções armadas com “pobres oprimidos” é violência intelectual contra os próprios pobres dominados pelo crime.
 
Em vez de enfrentar essa crítica, espalha temas pela página para que o leitor esqueça a pergunta essencial:
o Estado pode, ou não, retomar territórios dominados por facções e milícias?
 
Quando se fala de tudo para não responder ao que importa, a dialética se retira em silêncio.
 
V. A dialética que se invoca e a dialética que se pratica
 
Para mim, dialética não é ornamento retórico; é disposição para reconhecer contradições. Sócrates e Hegel sabiam disso. A dialética exige coragem para enfrentar o real, não o conforto de uma teoria impermeável.
 
Vilão
 
No texto de Natanael, o Estado é sempre vilão; a polícia, sempre opressora; o pobre, sempre vítima; e o bandido, sempre produto da estrutura. O dogma precede o fato — e tudo o que não cabe na teoria é colocado entre parênteses.
 
Quando uma teoria deixa de ser confrontada pelo real, ela deixa de ser filosofia — vira religião civil.
 
VI. Entre o martelo e o espelho — o Brasil concreto
 
Minha divergência com Natanael não é moral, nem pessoal: é factual. No Brasil real, facções armadas exercem funções de soberania: controlam território, tributam moradores, impõem toques de recolher.
 
Reduzir tudo à luta de classes é um modo elegante de não olhar o agressor concreto. É escolher a narrativa em vez da vítima.
 
A ideologia é o martelo; a verdade é o espelho. O martelo de Natanael bate sempre na mesma direção. O espelho devolve outra imagem: complexa, imperfeita, real.
 
VII. A geografia seletiva da indignação — Rio exposto, Belém blindada, Bahia silenciada
 
Aqui a hipocrisia brasileira torna-se mapa.
 
Quando o Rio de Janeiro colapsou — explosões, ônibus queimados, bairros sitiados — o pedido de GLO não foi teatro: foi desespero administrativo. Lula recusou. Preferiu proteger a narrativa da militância à segurança do povo.
 
Vitrine
 
Pouco depois, quando Belém virou vitrine internacional da COP30, a GLO foi decretada sem hesitação. O mesmo instrumento que era “perigoso” no Rio virou prova de responsabilidade no Pará.
 
Violenta
 
E a Bahia — governada pelo PT há quase duas décadas, uma das mais violentas do país — permanece envolta em silêncio devocional. Não há manchetes de indignação. Não há grito de “chacina!”. A violência ali virou paisagem. Não por acaso: admitir o desastre seria corrosivo para a mitologia progressista.
 
É nesse contraste que nasce a verdadeira denúncia: a esquerda banaliza o crime quando o crime é seu vizinho político.
 
VIII. A verdadeira banalização do crime — quando o poder se acostuma com a própria sombra
 
 
Ignora
 
Enquanto Natanael denuncia a “violência do Estado”, ignora a banalização que ameaça a República: a do crime no topo do poder.
 
Nos últimos meses, o país voltou a assistir a cenas que deveriam ter ficado no passado:
 
Operações da PF às seis da manhã em endereços ligados à família presidencial;
 
A ex-nora de Lula como alvo direto da PF;
 
O filho de Lula presente no local durante a operação — algo que, em qualquer democracia madura, paralisaria o Congresso;
 
O escândalo do INSS, atingindo aposentados e viúvas;
 
Prefeituras, intermediários, empresas e velhos operadores ressurgindo com a familiaridade de um enredo conhecido.
 
 
Isso não é acaso; é padrão.
 
E onde há repetição, dizia Hegel, há verdade não enfrentada.
 
É aqui que a “banalização” ganha nome próprio:
 
Quando o escândalo se torna rotina, a rotina se torna normalidade — e a normalidade se torna método.
 
E porque sei como virão os mantras, antecipo:
 
1. “Sempre houve esquema no INSS.”
 
Talvez. Mas nunca houve tamanha normalização moral, jamais coincidiu com operações atingindo a própria família presidencial, nem apareceu tão sincronizado a outros escândalos simultâneos.
 
A diferença não é histórica; é ética.
 
2. “Lula deixa a PF investigar.”
 
Deixa porque sabe que o STF funciona como colchão político. É cálculo, não virtude.
 
O mesmo governo que recusa GLO para proteger o povo confia na blindagem institucional para proteger a própria narrativa.
 
No morro, a bala perdida mata.
 
No Planalto, o escândalo recorrente anestesia.
 
E quando o crime se naturaliza no topo, já não é episódio — é estrutura.
 
Essa é a banalização que Natanael não vê, que sua ideologia não admite, que sua narrativa não pode nomear.
 
IX. Epílogo — O ponto final que não se escreve sozinho
 
Natanael diz que “tem mais o que fazer”. Eu também — família, clientes, responsabilidades — como qualquer brasileiro que trabalha e paga contas.
 
Aliás, talvez haja aqui um detalhe sociológico que Montaigne apreciaria: ele parece acreditar não ser burguês porque talvez não tenha nascido burguês, como se burguesia fosse linhagem. Mas origem nunca foi mérito, tampouco culpa. Muitos dos maiores socialistas do mundo são bilionários — alguns herdeiros, como Walter Moreira Salles.
 
O que importa é outra coisa: o debate pertence ao leitor, não ao articulista.
 
Não reivindico a última palavra. Mas também não reconheço a ninguém o direito de decretar o fim de uma conversa que ainda está no meio do caminho.
 
Ponto final é pontuação, não privilégio.
 
Se Natanael voltar ao debate, serei o primeiro a recebê-lo.
Se não voltar, sigo aqui — com firmeza quando necessário, com ironia quando útil, com respeito sempre.
 
Porque, enquanto houver leitores dispostos a pensar, nenhuma narrativa conseguirá quebrar todos os espelhos.
 
 
(*) O autor é advogado e livre pensador.
 
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre confronto de ideias e acolhe o contraditório. Todas as pessoas e instituições citadas têm assegurado espaço para suas manifestações.

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