As aventuras de Cacimba 15 – Cacimba e o Sopro do Tempo
23/11/2025
Por Zé da Flauta
Era dia de sol oblíquo e vento misterioso em Tacaratuba das Horas Trocadas, uma cidade onde o tempo já parecia andar meio desorientado. Cacimba chegou de mansinho, montado num jegue que mascava relógios e mastigava passado. Trazia no pescoço um colar de búzios quebrados e, nas mãos, um pife prateado, envolto num pano de renda azul.
— Este é o pife do tempo! anunciou ele em plena praça. — Quem ouve seu sopro vê o ontem ou o amanhã, dependendo do coração. Mas cuidado, o tempo tem ouvidos.
Os dois macaquinhos nos ombros começaram a discutir. O da direita, o da emoção, queria que todos soprassem. O da esquerda, o da razão, avisava:
— O tempo é como farinha espalhada no terreiro. Se mexer, não junta mais...
Mesmo assim, Cacimba soprou. E o tempo se partiu em cacos.

Crianças envelheceram em minutos. Velhos voltaram a correr descalços, jogando pião. Um noivo esqueceu o casamento, pois voltou à época em que ainda era apenas um seminarista. E uma viúva jurava ter ouvido o marido chamando do outro lado da praça.
Tacaratuba mergulhou num colapso. A escola virou berçário. O cemitério virou ponto de encontro. O sino tocava fora de hora, e ninguém mais sabia se era almoço ou missa de sétimo dia.
Cacimba, no entanto, subiu na torre do relógio da matriz, fitou o horizonte e disse:
— O tempo só se conserta com afeto e memória. O pife desafina se tocar pra egoísmo.
Então, soprou novamente.
Mas dessa vez, não saiu som. Saiu silêncio. E naquele silêncio, tudo voltou ao seu tempo justo.
O povo chorou, riu e dançou ao mesmo tempo. Os dois macacos se abraçaram, um chorando e o outro anotando a lição:
"Quem vive só no presente esquece o caminho de volta. E quem vive só no passado perde o futuro."
No fim do dia, Cacimba desapareceu com o jegue e o pife, deixando no banco da praça apenas um bilhete:
“O tempo é vento. Não se prende. Se dança.”

