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Reforma Tributária 48: Pejotização e Previdência. Um encontro perigoso que ninguém quer discutir - Por Rosa Freitas*

24/11/2025

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A discussão sobre tributação no Brasil costuma parecer um assunto distante, técnico, difícil. Só que ele chega — disfarçado — na vida real das pessoas quando o tema é aposentadoria, carteira assinada, seguridade social, informalidade, Bolsa Família, empregabilidade e rrenda. E a pergunta que fica é simples, mesmo que desconfortável: quem vai pagar a conta da Previdência quando todo mundo virar PJ?

A Reforma Tributária aprovada pela LC 214/2025 promete simplificar impostos e incentivar o crescimento do país. Paralelamente, o STF está julgando a prática da pejotização e pode, em breve, dizer se empresas podem continuar contratando trabalhadores como pessoa jurídica sem vínculo de emprego, inclusive para atividades fins . No meio disso, a Constituição (art. 8º) continua dizendo que trabalhadores têm direito à organização sindical — o que pressupõe vínculo formal.

E enquanto a política, os tribunais e as empresas discutem, os números da Previdência estouram: menos gente contribuindo, mais gente recebendo. A equação é conhecida — e alarmante. O modelo de solidariedade atual não se sustenta mais.

1. O INSS está no vermelho — e não é pouco

Não há como falar de Previdência sem encarar a matemática. O Tribunal de Contas da União divulgou que o déficit previdenciário chegou a R$ 428,2 bilhões em 2023 — algo em torno de 4% do PIB. Em 2024, caiu um pouco para R$ 418,9 bilhões, mas continua gigante.

E as projeções assustam ainda mais: se nada for feito, o déficit pode chegar a R$ 810 bilhões por ano até 2040. Não existe orçamento público que resista.

A outra parte do problema não é financeira — é demográfica. O Brasil envelhece rapidamente. Segundo o IBGE:

*Pessoas com 65+ anos:

de 14,08 milhões (2010) para 22,17 milhões (2022) ? +57,4%

*Pessoas com 60+ anos:

de 20,59 milhões (2010) para 32,11 milhões (2022) ? +56%

Em pouco mais de uma década, o país praticamente dobrou o número de idosos. E como o sistema de previdência brasileiro funciona no modelo coletivo e contributivo — quem trabalha paga a aposentadoria de quem não trabalha — o desequilíbrio salta aos olhos.

O problema é que está acontecendo exatamente o oposto do desejável: menos gente contribuindo e mais gente precisando do sistema.

2. A maior ferida: queda na formalização e corrida para a pejotização

Vamos falar sem rodeios: a carteira assinada, que já foi o sonho social brasileiro, está encolhendo como fenômeno cultural econômico — e agora também como fenômeno tributário.

O IBGE registrou 39,8 milhões de trabalhadores com carteira assinada em maio de 2025, o maior número da série histórica. Parece bom, né?

Mas é aí que mora uma ilusão estatística: a população economicamente ativa cresceu mais rápido — e o emprego formal não acompanhou o ritmo. Ou seja, proporcionalmente, o peso da formalização diminui.

E quando o emprego formal perde força, três outras coisas crescem:

1. informalidade,
2. empreendedorismo forçado,
3. pejotização.

A pejotização é especificamente estratégica: empresas reduzem encargos trabalhistas, o profissional recebe “mais” no curto prazo, e os cofres da Previdência deixam de receber, porque é responsabilidade do trabalhador recolher não do empregador.

Essa realidade se torna ainda mais dramática quando olhamos para o Norte e o Nordeste: em 10 estados brasileiros, há mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada.
Se o financiamento da Previdência depende de contribuições, e a maior parte das pessoas vive de assistência — e não de contribuição — já dá para entender a gravidade.

3. A Constituição avisa, mas ninguém parece ouvir

O art. 8º da Constituição Federal garante a liberdade sindical e reconhece o trabalhador organizado como peça estruturante da nossa vida social. Só existe sindicato com categoria profissional forte se existe categoria com vínculo de emprego.

Quando a pejotização vira regra, o art. 8º vira enfeite de parede — bonito, mas inútil.

Sem trabalhador formal:

1. não tem sindicato forte
2. não tem negociação coletiva,
3. não tem salário mínimo garantido,
4. não tem contribuição para a Previdência.

Parece detalhe jurídico, mas é a espinha dorsal do pacto social brasileiro.

3, E onde entra a Reforma Tributária nisso tudo?

A LC 214/2025 introduziu os novos tributos sobre consumo: IBS (estadual/municipal) e CBS (federal). Até aí, nenhuma relação direta com a Previdência, certo? Errado!
O novo modelo se apoia na não cumulatividade plena, ou seja: quem paga imposto em uma etapa desconta na outra — até zerar — exceto nos casos de imunidade, isenção e alíquota zero.

O discurso oficial é:

? neutralidade tributária,
? simplificação,
? justiça fiscal.

Mas existe um efeito colateral silencioso: a não cumulatividade encarece o custo das empresas em mão de obra, como aquelas que não têm trabalhadores pejotizados geradores de crédito.

E o que essas empresas fazem para reduzir custos trabalhistas?

Substituem empregados por PJs.

A reforma não manda demitir. Não manda pejotizar.
Mas cria um ambiente econômico que empurra nessa direção.

E cada profissional que vira PJ representa:

1. menos contribuição previdenciária,
2. menor financiamento coletivo da seguridade social,
3. maior pressão sobre o Estado assistencial..

4. A bomba-relógio no STF

O Supremo Tribunal Federal está julgando, no RE 1.532.603, se a pejotização pode ser reconhecida como regular ou se deve ser considerada fraude trabalhista. Na audiência pública de outubro de 2025, o ministro Gilmar Mendes foi direto: a pejotização ameaça os direitos sociais e o financiamento da Previdência.

O resultado do julgamento mudará tudo:

Se o STF validar amplamente a pejotização ?
mais erosão da carteira assinada ? menos arrecadação para Previdência ? maior risco de colapso.

Se o STF coibir a pejotização ?
provável aumento do emprego formal ? mais arrecadação ? porém aumento dos custos das empresas (e possível repasse para preços e contratações futuras).

Nenhuma das saídas é neutra.
Mas fingir que o julgamento não tem relação com a Previdência é tapar o sol com a peneira.

5. O que tudo isso significa na prática?

A previdência está sendo atacada por vários flancos ao mesmo tempo:
A) com o envelhecimento populacional há mais benefícios a serem pagos
B) com redução da carteira assinada há menos contribuições
C) Com pejotização crescente há a migração para fora do sistema contributivo
D) com a expansão de benefícios assistenciais gasto sem contrapartida contributiva
E) a cesta básica com alíquota zero promove queda local da arrecadação do novo tributo, justamente nos municípios mais pobre. O justo seria o cash cacb de itens da cesta básica só para a base da piramide sócia;
F) a LC 214/2025 o custo do emprego é incentivo indireto à substituição de CLT por PJ

O Brasil está tentando manter o modelo de previdência contributiva sem contribuintes suficientes.

6. Conclusão — ninguém gosta, mas alguém precisa dizer

A previdência social brasileira está diante de um risco real — e não apenas financeiro. É um risco de colapso institucional. Os três pilares analisados caminham juntos:
1. Art. 8º da Constituição ? precisa de vínculo formal para funcionar.
2. LC 214/2025 ? altera o ambiente econômico e influencia a contratação.de pessoas jurídicas
3. Julgamento no STF sobre pejotização ? definirá o futuro da formalização.

E nas regiões Norte e Nordeste, onde programas assistenciais já superam o número de trabalhadores formais, o colapso pode chegar primeiro.

Não se trata de ser contra a reforma tributária, contra assistência social ou contra flexibilização das relações de trabalho. Trata-se de entender que a política tributária, a política previdenciária e a política trabalhista não podem mais caminhar separadas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: dia mês ano.

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm. Acesso em: dia mês ano.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Indicadores de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE, 2025. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho.html. Acesso em: dia mês ano.

PODER360. 10 Estados têm mais Bolsa Família que carteira assinada. Brasília, 16 ago. 2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br/. Acesso em: dia mês ano.

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. OAB defende no STF a competência constitucional da Justiça do Trabalho para julgar casos de pejotização. Brasília, 6 out. 2025. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/63501/oab-defende-no-stf-a-competencia-constitucional-da-justica-do-trabalho-para-julgar-casos-de-pejotizacao. Acesso em: dia mês ano.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Relatório sobre o déficit da Previdência Social – Exercício 2023/2024. Brasília: TCU, 2024. (Se desejar manter apenas como referência numérica, pode deixar sem URL — não é obrigatório quando o documento foi consultado offline.)

FECOMERCIO-SP – Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo. Projeções sobre o déficit da Previdência Social no horizonte 2025–2040. São Paulo: FecomercioSP, 2024.


*Rosa Freitas é advogada, doutora em direito e autora de livros e artigos jurídicos.


NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o livre confronto de ideias e acolhe o contraditório. Todas as pessoas e instituições citadas têm assegurado espaço para suas manifestações.



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