De férias no Titanic e um Iceberg na Dianteira: O Mar do Planalto Central - Crônica - Por, Emanuel Silva*
25/11/2025
A política brasileira termina 2025 como um transatlântico em velocidade de cruzeiro, mantendo a rotina de bordo enquanto um iceberg ocupa a dianteira.
No salão principal, a música continua; nos andares inferiores, ninguém recebeu aviso. E, no mar do Planalto Central, a calmaria das férias que se inicia não é sinônimo de segurança — é apenas o atraso entre o risco e a consciência do risco.
Três andares, duas percepções
Assim como no Titanic original, o país encerra o ano com duas experiências simultâneas.
A primeira classe acompanha dados de monitoramento e relatórios em tempo real e já sabe que o casco está comprometido. E aqui está o detalhe que nunca entra no boletim oficial: os passageiros desse andar não apenas perceberam o risco — já estão com os coletes salva-vidas ajustados, prontos para pular. E não será na água gelada. Será diretamente nos botes que seguem discretamente disponíveis, reservados a quem sempre soube antes.
Na segunda e terceira classes, a maioria da população, recebe apenas resumos filtrados, embalados como normalidade. Para esse público, o navio segue estável — até o momento em que começam a escutar o barulho da água entrando.
A regra permanece a mesma: não afunda primeiro quem está mais perto do impacto, mas quem recebe menos informação.
Dois transatlânticos: mesmo material e mesma rota
No fim de 2025, os dois maiores navios da política nacional — Titanic L e Titanic B — enfrentam o mesmo problema estrutural. São embarcações diferentes, mas feitas do mesmo material: rejeição elevada, desgaste acumulado e dependência permanente de "boas" notícias para manter flutuação mínima.
A troca de comandante não reforça o casco.
E, até aqui, a estratégia tem sido previsível: adiar decisões.
Ninguém mudará a rota antes de fevereiro.
E como sempre no Brasil, o impacto real só chegará depois do Carnaval, quando o país aceita que o ano começou.
Quando o aviso não chega a todos
O cenário que encerra 2025 não surpreende:
Os passageiros da primeira classe seguem confiantes, agora não pelo otimismo — mas porque sabem exatamente onde estão os botes.
Os passageiros de segunda e terceira classe desconhecem o risco — e serão os primeiros a perceber a água no corredor. E o pior: estarão sem opção de colete salva vidas ou botes.
E aqui está o ponto central:
icebergs não se revelam de imediato.
A parte visível é pequena;
o volume real está submerso.
E quando um bloco se desprende, não adianta acelerar
a única estratégia é evitar a colisão.
Os dados mostram exatamente essa dinâmica:
não há explosão — há acúmulo silencioso sob a superfície
O pós-Carnaval não perdoa
O país entra em 2026 no mesmo ritmo: até fevereiro, nada parece fora do lugar — não por estabilidade, mas porque o impacto ainda não chegou ao subsolo do navio.
Quando vier, não será apenas político: será também econômico.
Entre a Quarta-Feira de Cinzas e o fim de março, o Brasil enfrenta:
* faturas acumuladas de Natal, Réveillon e Carnaval;
* lista de material escolar, pressionando famílias já endividadas;
* entressafra agrícola, com efeito direto na cesta básica.
Não é uma crise inédita — é a mesma rota com menos margem de manobra.
Navios não afundam por discurso.
Afundam por matemática.
Quando o nível subir, ninguém poderá alegar surpresa.
A política brasileira não encerra 2025 em clima de definição, mas de contenção.
Os que sabem continuam na festa — e com o colete ajustado.
Os que não sabem serão os primeiros a sentir a água nos pés.
E, como acontece todos os anos, Brasília já entrou de férias.
O retorno está marcado para março.
O iceberg, não.
No mar do Planalto Central, ninguém poderá alegar surpresa
as chuvas de março chegam sempre no mesmo compasso
— “é pau, é pedra, é o fim do caminho,
é um resto de toco, é um pouco sozinho,
é o vento ventando, é o fim da ladeira”
(Tom Jobim — Águas de Março).
E como na canção, cada um escuta o verso que lhe convém:
uns apostam que “é promessa de vida no teu coração”;
outros já entenderam que, antes disso,
vem a água passando da linha do tornozelo.
No fim, não é o navio que escolhe o desfecho —
é o iceberg que não muda de direção.
E desta vez, não haverá música suficiente
para cobrir o som do impacto.
*Emanuel Silva, é Professor e Cronista
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