O poder público estatal é acima das classes? (Parte I)– por Natanael Sarmento*
26/11/2025
Relembro. Nos artigos anteriores sobre a chacina policial nas comunidades do RJ da Penha e Alemão, ressaltamos a atualidade da concepção marxista de Estado. Da natureza classista, seletiva, burguesa da repressão estatal. No Brasil e por onde o capitalismo é a formação econômico-social dominante.
Dois pesos
A seletividade da “violência legítima” das ações policiais salta aos olhos. Protocolos e resultados diferenciados nas comunidades pobres e nos condomínios de luxo.
“Só trafico drogas”
Ilustra o episódio do helicóptero dos 450 quilos de cocaína apreendidos em MG pela PF na fazenda dos aliados do Aécio Neves. O deputado Zezé Perrella, cinicamente, em áudio gravado pela PF: “Eu não faço nada de errado, só trafico drogas”. Está vivo e livre.

Granadas
O deputado Roberto Jefferson está preso, mas vivo. Ele reagiu ao mandado de prisão com granadas e tiros. Fosse pobre e negro do Alemão, estaria contando a história?
Na mesma linha
Nosso ponto é destacar que poder público não é tão público assim, é público, mas classista, e nisto representa interesses privados. Daí a mágica da legalidade dos “iguais” desiguais. Da retórica do “bem-comum”, na real, mais comum para uns”.
Organização
Fruto e expressão da luta de classes, o Estado organiza a “violência legítima” do poder da classe dominante. No sistema capitalista “normatiza” a usurpação das riquezas nacionais, o controle da distribuição dessas riquezas e do mercado, a exploração da força de trabalho. A parte do leão da produção e riqueza social é acumulada privativamente pela minoria burguesa.
Em festa de cobra, sapo não dança
Teve sapo dançando na festa de cobras das metas alcançadas no “arcabouço fiscal”. O governo paga alto cachê da banda financista que toca o ritmo das políticas econômicas no capitalismo monopolista global dessa era imperialista. Qual foi o custo?

Contenção
Anuncia-se a “contenção” de 31,3 bilhões nos limites do “arcabouço da LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias da “estabilidade” das contas públicas.
Rombo
A origem do rombo das contas públicas não está nas despesas dos serviços públicos ou da estrutura do Estado, mas no binômio do vilão: corrupção e agiotagem institucionalizada pelo “sistema da dívida pública”. Na verdade, corrupção ontológica do capitalismo.
Sem contrapartida
A burguesia financeira impõe pesados encargos ao povo brasileiro no pagamento de juros da dívida pública. Dívida sobre a qual jamais se fez auditoria séria, e só faz crescer, sem nenhuma contrapartida.
(En)rolagem
O estoque da dívida pública não para de crescer, absurdamente, por mais que paguemos os juros, como se fossem amortizações ou “refinanciamento do principal”.
Burla
Burla-se a Constituição Federal, priorizando-se o pagamento de juros maquiados de “rolagem”. O Tesouro Nacional publica anualmente maquiagem contábil com pagamento de juros inferiores aos efetivamente pagos.
Endividar-se para pagar dívida
Assumir novas dívidas com a agiotagem legal para pagar dívidas anteriores é opção política. Os governos/gerentes da burguesia agem como um jogador degradado e viciado que não se livra do caça-níquel que lima o seu dinheiro.

Sigilo
O povo paga uma dívida que desconhece a origem. Desconhece quanto deve. E a quem deve. Tudo mantido em sigilo. A B3 empresa privada tem informação dos credores detentores dos títulos da dívida. A sociedade, que paga o pato, não é mantida sob sigilo no âmbito das agências de Estado. Tá na regra, Arnaldo?
Subtração das áreas sociais
Auditoria Cidadã comprova que no final das contas os gastos com juros e amortizações (2,33 trilhões) da dívida retiraram (1,19 trilhões) das áreas sociais de 2014 a 2022.
Lá, neles!
Contenção de despesas, cortes de gastos, responsabilidade fiscal são retórica liberal. Neles sim; em nós, não, “farinha pouca meu feijão primeiro”. Hospitais, escolas, transportes urbanos, serviços de água e saneamento são sucateados. Forram o terreno para a farra do boi das “privatizações”. Dos amigos financiadores de campanha receberem a contrapartida pelo investimento. Compram a preço de banana empresas do patrimônio público e se tornam ainda mais ricos e mais poderosos.
Farra do Boi
O Congresso brasileiro é o segundo mais caro do mundo. Perde apenas para os EUA. Temos 513 deputados e 81 senadores. Limam mais de 7 milhões dólares cada um, anualmente, na “forma da lei”.
Caro o ruim
Trabalhador brasileiro labora em escala 6/1 (seis dias de trabalho por um de folga). Salário mínimo é de 1.518,00 reais. Os representantes de “nós, o povo” tem escala “humanizada”: sessões de terça à quinta feira, a partir das 14:00 horas. Pelo exaustivo trabalho recebe 32,8 vezes mais que um trabalhador do mínimo para sustentar ele a família.
Corrupção
Sobre o montante em propinas, corrupção, comissões indevidas, verbas do “Orçamento Secreto” não temos informações, senão as que se banalizaram nos noticiários.
Eita mundo bom!
Cada gabinete de deputado custa mais de 100 mil reais mensais. Séquito de servidores de até 24 secretários. Verba de gabinete e outras, 3 mil de auxílio moradia; verba indenizatória de 15 mil para aluguel; ajuda de custos nas mudanças, passagens aéreas com valores variáveis, por aí afora a “cesta básica” aumenta.
Meritocracia comissionada
O apadrinhamento e a porteira aberta do nepotismo cruzado é institucionalizado. Cargos comissionados, de “confiança”, sem concurso, “assessores”, “secretários” parlamentares que não precisam bater ponto, chega-se a gasto de 1 bilhão por ano.
Impunidade
Mandato parlamentar no Brasil virou espécie de “habeas-corpus”. Evita a persecução criminal do Estado com blindagem para crimes de qualquer natureza.
Mais de cem deputados respondem processos criminais diversos. No senado são 20 encrencados com a justiça, blindados. Privilégio abusivo e imoral previsto em lei. A “imunidade parlamentar” devia se cingir às opiniões e ações políticas atreitas às atividade do mandato e não a proteção legal de criminosos detentores de mandato eletivo.
Escândalo
É um escárnio deputados foragidos da justiça brasileira receberem salários normalmente, pagos pelo contribuinte. Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin (detém segredos de Estado do Brasil) é foragido nos EUA.
A deputada Carla Zambelli, condenada pelo STF, evadiu-se e continuou a receber salários. A justiça italiana se pronunciou favoravelmente à deportação da condenada.
Desde março o deputado Eduardo Bolsonaro, réu no STF, se refugia nos EUA. Conspirou para prejudicar a economia brasileira no tarifaço do Donald Trump. Continua a receber sem trabalhar, ou melhor, a trabalhar contra o Brasil. Recebe salários regulares na conta, com a conivência dos pares do congresso.
A farsa da igualdade
Qualquer trabalhador brasileiro - privado ou servidor público concursado – estaria demitido por justa causa. Mas os deputados são “representantes do povo”, não é mesmo?
Todos são iguais perante a lei
A mágica da igualdade liberal é uma lorota boa, é tão bem feita que faz o estulto acreditar que o truque é real. Mas basta ver a quem favorece a tal legalidade capitalista. Ou será que a cela do Bolsonaro na PF com ar condicionado, televisão, visitas e médico 24 horas é igual à dos presos pobres do Aníbal Bruno, Bangu e congêneres Brasil afora? A desigualdade de Casa Grande e Senzala acompanha a vida e a morte nos Jazigos e Covas rasas da sociologia de Gilberto Freyre. Calha algum sociólogo completar o estudo com “prisões humanitárias domiciliares” e cadeias dos iguais e dos mais iguais.
*Natanael Sarmento é professor e escritor. Do Diretório Nacional da Unidade Popular Pelo Socialismo - UP.
NR - Os textos assinados expressam a opinião dos seus autores. O Poder estimula o debate e acolhe o contraditório. Pessoas e instituições citadas têm o mais amplo espaço para suas manifestações.


