
MUDANÇA DO NOME? - JOÃO PESSOA: DE NOVO O DEBATE SOBRE O NOME DA CAPITAL PARAIBANA
27/02/2023 - Jornal O Poder
O assassinato de João Pessoa, candidato a vice-presidente da República derrotado na chapa de Getúlio Vargas, foi o pretexto para a Revolução de 1930. A capital da Paraiba, na época chamada Parahyba, ganhou seu nome. O Estado mudou a bandeira. O plebiscito para aprovar as mudanças nunca foi realizado. Agora o assunto voltou ao debate O site do Jornal O PODER publica artigo do doutor em Sociologiae professor da UFPB
Flávio Lúcio. Uma página emocionante de História e vida.
AQUI MORAVA UM REI
Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.
Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.
PERDA PARA O ÓDIO
O soneto acima é de Ariano Suassuna. O “rei” do poema é João Suassuna, pai do autor, que governou a Paraíba entre 1924 e 1929. Ariano nasceu em 1927, portanto, durante o governo do pai, e ele gostava de lembrar que correra nu pelos corredores do Palácio da Redenção, onde, à época, residia a família do “presidente da Paraíba”, hoje chamado governador.
Ariano Suassuna homenageia o pai perdido para o ódio político e para as rixas familiares, quando mal tinha começado a viver. A dor que lateja em cada verso foi descrita, em um depoimento dado para um documentário sobre a Guerra de Princesa, como um punhal que ele imagina enterrar-se em seu coração sempre que pedem para recitá-los.
TRAGÉDIA SHAKESPEARIANA
É por essa razão que, sempre que lembro a origem do nome atribuído à capital da Paraíba, lembro que se trata também de uma homenagem aos eventos que nos levaram até ele. É como se essa tragédia
shakespeariana
continuasse a nos assombrar quase século depois. Sempre que esse debate volta — e ele sempre volta — os que não conhecem a nossa história política, e os embates familiares ainda tão presentes, continuam a se perguntar sobre a razão de sua existência, e, com alguma razão, imaginam sua inutilidade.
Por isso, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba daria uma contribuição decisiva para que os habitantes de João Pessoa possam, finalmente, superar o trauma da tragédia que o nome de sua cidade rememora — e homenageia. Aliás, seria a oportunidade para finalmente atender ao que estabeleceram os deputados estaduais durante a elaboração do Constituinte da Paraíba, que, defrontados novamente com a dilema 30 anos atrás, resolveram transferir a decisão para o povo pessoense, através de um plebiscito jamais realizado.
Seria um importante estímulo para o povo da capital conhecer sua história, ou parte importante dela.
REPERCUSSÃO POLÍTICA
Um nome marcado pela tragédia, pelo sangue e pelo luto.
Depois de deixar o governo da Paraíba, João Suassuna se elegeu para mais um mandato de deputado federal e tinha fortes ligações políticas com João Dantas, o advogado que em 26 de julho de 1930, assassinou João Pessoa na Confeitaria Glória, em Recife. O assassinato de João Pessoa deflagrou a Revolução de 1930, que começaria dois meses depois, em 3 de outubro. Apesar do assassinato ter motivação passional, o crime mobilizou o país como um crime político. João Pessoa havia se tornado uma figura-chave na política nacional. Ele tinha acabado de participar e ser derrotado da eleição presidencial ocorrida em março de 1930, na condição de candidato a vice na chapa liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Eram recorrentes as denúncias de que a vitória do governador paulista, Júlio Prestes, candidato apoiado pelo então presidente, o também paulista Washington Luiz, tinha sido fraudada, o que não seria nenhuma novidade. João Suassuna era da base de apoio do “perrepista” Washington Luiz no Congresso e apoiara Júlio Prestes.
MORTES PASSIONAIS
O que levou João Dantas à Confeitaria Glória naquela manhã de julho, entretanto, foi a divulgação de cartas e poemas eróticos da professora e poetisa cabedelense, Anayde Beiriz, sua amante, que o advogado guardava em seu escritório. As cartas foram encontradas pela polícia no escritório depois de uma invasão e disponibilizadas ao público, o que causou, claro, um escândalo que resultou numa sucessão de tragégias: primeiro, o assassinato de João Pessoa, por João Dantas; depois, do próprio João Dantas, morto na cela em que estava preso, em Recife, no dia em que começou a Revolução de 1930 (3 de outubro), e, 19 dias depois (22 de outubro), no suicídio de Anayde Beiriz, que fugira para Recife. Entre a morte de João Dantas e Anayde Beiriz, morreu João Suassuna, também assassinado numa manhã movimentada em pleno centro do Rio de Janeiro, quando se deslocava do hotel onde se hospedava para a sede da Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes.
NEGO
Enfim, o sangue representado pela metade vermelha da atual bandeira da Paraíba, que divide com o preto do luto, não jorrou apenas do coração de João Pessoa, atingido pelas balas da arma de João Dantas.
A morte de João Pessoa, claro, causou uma imensa comoção na cidade e protestos populares resultaram em incêndios de residências e perseguições a políticos do antigo Partido Republicano da Paraíba. Aproveitando o clima de comoção provocado pelo assassinato do popular governador da Paraíba, foi proposto à Assembleia Legislativa a mudança do nome secular da capital paraibana: de Parahyba do Norte para João Pessoa. Cinco dias depois, o erro histórico estava consumado. A Paraíba ganhou uma nova bandeira para representá-la, com as faixas vermelha, a nos lembrar do sangue derramado, e preta, o luto da tragédia. E o NEGO, que relembra o apoio que João Pessoa negou à candidatura de Júlio Prestes, uma atitude política corajosa, sem dúvida, mas que teria se perdido nos escaninhos da História não fosse a tragédia passional e os ventos tempestuosos que ela ajudou a soprar.
ENCARAR O DILEMA
Apesar de achar improvável que seja aprovada qualquer mudança de nome, considero que é hora de nos debruçarmos sobre esse dilema para enfim tentar superá-lo. Nomes de cidades não são alterados sem o calor dos grandes acontecimentos, a não ser que haja um inconformismo majoritário na população, o que não é o caso.
Conhecer mais a fundo um capítulo da história da cidade é uma boa justificativa para o plebiscito que o advogado Raoni Vita pede que o TRE realize no próximo ano sobre a manutenção ou não do nome da capital paraibana em atendimento à determinação constitucional.
NR - o artigo do professor Flávio Lúcio foi publicado no Blog PENSAMENTO MÚLTIPLO em 24/02/23.
O titulo foi modificado e os intertítulos colocados pela editoria para adequar o texto ao nosso padrão editorial.