
GOL DE LETRA - Coluna Semanal - MALUF VIROU CRIANÇA
05/06/2023 - Jornal O Poder
Roberto Vieira
Médico e cronista
Paulo Maluf era o filho querido do casal Salim Farah e Maria Estefano, neto de uma imensa fortuna, cujo futuro deveria passar pelas salas de aula do Colégio São Luís, em São Paulo. Os pais levam a criança para tirar a fotografia que deveria apresentar Paulinho ao mundo nas páginas da revista de maior circulação do Brasil. E lá se foi Paulinho, olhar sério e cabelos cacheados, sonhando ser presidente do Brasil.
30 DE MARÇO DE 1964
Era um dia tenso em um país tenso quando Paulo Maluf assumiu a vice-presidência da Associação Comercial de São Paulo. Entre brindes de champanhe, Paulo assistiu à deposição de Jango no dia seguinte. Ficou muito amigo de um economista chamado Delfim Neto e Delfim Neto convidou Paulo Maluf para comandar a Caixa Econômica Federal em 1967. Comandando a Caixa, Paulo fez sua própria revolução na entidade que se tornou tão poderosa quanto o Banco do Brasil. Mas Paulo queria outra presidência.
FUSQUINHAS DO TRI
Paulo já era prefeito de São Paulo em 1970 quando a seleção brasileira ganhou o tricampeonato no México. Para o menino da foto, nada mais normal que dar um fusquinha de presente para cada jogador tricampeão mundial. O presente da prefeitura de São Paulo foi recebido entre afagos e sorrisos pelos craques, mas se tornou uma confusão dos diabos para o prefeito que nunca entendeu porque não podia usar o dinheiro da prefeitura para presentear nossos heróis ´ora, bola, o James Thorpe faz isso em Pernambuco e ninguém diz nada!
MALUF DERROTA A DITADURA
Maluf foi secretário de transportes também. Além do Minhocão, inaugurou linhas do metrô paulistano e inúmeras obras por onde passou, deixando um imaginário de grande tocador de obras no povo. Eleito, na marra, governador indireto de São Paulo, Maluf bateu Laudo Natel, o favorito do presidente Figueiredo nas prévias da ARENA. Era a primeira derrota da ditadura numa eleição desde 1964. Após essa vitória, nada parecia interferir no caminho de Maluf rumo a ser o primeiro presidente civil pós ditadura militar, realizando o sonho naquela primeira foto em público na infância, principalmente porque Figueiredo engoliu o sapo.
MALUF É CRIANÇA
Só que na vida nem todos os sonhos de criança podem se realizar. Veio a anistia, as primeiras eleições diretas para governador, o movimento Diretas-Já, Tancredo e o verbo malufar. A criança milionária se tornou sinônimo de corrupção no país dos corruptos. Maluf sobreviveu à Nova República, foi mais uma vez prefeito de São Paulo, em 1992, elegeu Pita, mas as garras da mídia e justiça impediram qualquer outro delírio político. Entretanto, quis o tempo, malufar tenha se tornado um neologismo fora de moda, tantos foram os malufs trazidos pelo século 21 no país que a Nova República tinha pretendido moralizar. Para quem viveu as últimas décadas do Brasil, Maluf é somente uma criança nos subterrâneos do poder. Mais ou menos como aquela criança da foto.