
GOL DE LETRA - SAUDADES DE LAMPIÃO E BIÚ DO OLHO VERDE
24/07/2023 - Jornal O Poder
Coluna Semanal
Roberto Vieira
Médico e cronista
A violência no estado de Pernambuco e no restante do país já é medida na casa das dezenas de milhares de mortes anuais, sem maior espanto das autoridades policiais , políticas ou mesmo do cidadão. Facínoras, psicopatas e torcidas organizadas promovem morte e terror sob olhar contemplativo da mídia e poder público. De certa forma, o pernambucano chega a ter saudades dos tempos de Lampião e Biú do Olho Verde.
LAMPIÃO
Camarada da pior espécie, travestido de vítima do sistema, Lampião espalhou terror, estupros, assaltos e sangue pelo interior do Nordeste durante as décadas de 1920 e 1930. Tão poderoso era o bandido e seu bando que chegou a propor, em carta ao governador do Estado, a divisão de Pernambuco em duas regiões: a primeira dominada pelo governador e a segunda pelo cangaço.
SELO DE LAMPIÃO
Em 1987, acreditem os senhores, certa fundação de cultura estadual solicitou ao Ministério das Comunicações a emissão de selo comemorativo da morte de Lampião. O gesto ‘marcaria iniciativa ímpar no resgate da memória cultural nordestina’. Evidentemente, os signatários da nota jamais passaram pelo pesadelo de serem sangrados ou estuprados pelo bando de Lampião, o Rei do Cangaço.
BIÚ DO OLHO VERDE
Quarenta anos após a morte de Lampião, a região metropolitana do Recife foi aterrorizada por um marginal que roubou e matou na certeza de que não seria punido por ser menor de idade. Seu apelido era Biú do Olho Verde. Como Lampião, Biú tinha nos olhos uma referência histórica: apenas 2% da humanidade tem olhos verdes. O reinado de Biú só foi cerceado quando passou a atuar em Olinda, batendo de frente com o juiz de direito Enéas Bezerra Barros. O magistrado enquadrou Biú num dos artigos do Código Penal e ele passou longa temporada no xadrez. Entre as façanhas do bandido constava o uso de alicate nas vítimas do sexo feminino.
SAUDADES
Ironicamente, nos tempos atuais, celerados como Lampião, Biú, Xinxa, DReF, Galeguinho do Coque, Mordido de Porco, La Bicha, Testinha, Beiçola e Boquinha seriam dentes de leite na categoria profissional dos bandidos do século XXI. O cidadão de cadeado em casa, cerca elétrica, câmeras espalhadas pelo prédio, pânico em andar de madrugada pelas cidades brasileiras, sente até saudades da época em que bandido tinha nome, apelido e raio de ação. Tempo em que os ídolos pernambucanos jogavam nos times de futebol ou na academia pernambucana de letras. Tempos nos quais a maldade humana não era canonizada em praça pública. Tempos de olhos vesgos e verdes.
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