
PERNAMBUCO SOCIAL
50 ANOS DE UM CASAMENTO QUE É POEMA
03/10/2023 - José Nivaldo Junior
Descumprindo o manual de boas práticas das homenagens, vou falar na primeira pessoa. Conheci Zé Neves e Terezinha, pela ordem, no primeiro dia de aula do curso de Direito da UFPE, em 1969. Quase todo mundo já sentado, eis que chega Zé, literalmente arrastando Terezinha pela mão, com aquele jeito dele: olhos arregalados como periscópios, cabeça de um lado para outro, procurando lugar no anfiteatro. Subiu apressado as escadas. Casal de estatura diferenciada, bonito, cena que ficou na minha memória para sempre. Foi o começo de uma bela amizade.
PELA LIBERDADE
O que nos aproximou foi a luta contra a ditadura. Naquele tempo sombrio, as entidades estudantis estavam proibidas. A censura à imprensa era absoluta. Resolvemos reabrir o diretório acadêmico por cima de pau e pedra. E criamos o jornal Reflexo, que não aceitava censura. Zé Neves foi um dos que passaram a escrever no jornal, que circulava mimeografado e, naturalmente, fez enorme sucesso no ambiente universitário do Estado. O Reflexo não era radical. Tinha uma pauta baseada na reconquista da liberdade. Zé Neves não era de esquerda mas participava do esforço pela redemocratização. Governo Médici. Auge da ditadura. Zé escrevia artigos e tal.
MUITO PRAZER
Foi para pegar uma matéria que pisei pela primeira vez no moderno casarão da família, no bairro do Rosarinho, no Recife. De uma vez só, entrei na residência, bebi um copo d'água, conheci D. Célia e Dr. José Neves, nome importante na advocacia brasileira, um mito. Com o seu jeito bondoso, suave, alertou-nos para o perigo de fazer uma publicação desafiando a ditadura. Em tom de afago paternal, que entendi como um consentimento orgulhoso de pai ao testemunhar o filho participando de causa tão importante, embora perigosa: a luta pela reconquista da democracia. Crédito para ambos.

RESUMINDO
Fiquei amigo da família. Os filhos do casal Célia e José Neves -
Célia, Ivan (falecido em 1986, domingo dos mais tristes da existência) Jorge, Clóvis, Carlos, Marcelo, Maria, Mônica, Filinto, Helena, Humberto e Carolina, além de Zé Neves Filho, conquistaram meu coração, meu carinho, meu respeito. E proporcionaram momentos marcantes na minha vida.
MOMENTO ÚNICO
Vou citar um: estavamos hospedados com o Santa Cruz no Hotel Excelsior, vizinho ao Copacabana Palace, onde Dr Neves tinha apartamento fixo. Era sábado. Zé e eu, descemos fim da manhã, para o restaurante. Lá estavam os casais José Neves e Raymundo Faoro (autor do clássico OS DONOS DO PODER). Ambos ex-presidentes da OAB Nacional, duas referências internacionais, amigos que se respeitavam. Foi um dos diálogos de mais alto nível que presenciei na vida. Me proporcionou a dimensão que a intelectualidade construtiva pode alcançar.
RESUMINDO II
Não fui ao casamento de Zé e Terezinha, em setembro de 1973, por motivo de ordem superior. Estava preso, na verdade, sequestrado nas masmorras do Doi/Codi. Dr Neves tinha razão no alerta.
Anos depois, vida que segue, o Santa Cruz nos reaproximou. Fui diretor, na primeira, revolucionária e marcante gestão de Zé. Fomos bicampeões em 87. Presidente arretado, consagrou a torcida. Sobrou um pouco pra mim, ainda tem quem me chame de diretor arretado. A convivência com a família, unida como poucas, se estreitou. Fiquei amigo dos irmãos, todos. Os filhos de Terezinha e Zé foram mascotes do Santa, junto com os meus. Os sobrinhos, muitos, também se entrelaçaram. Amigos queridos, no intercâmbio de gerações. Nossos camarotes praticamente vizinhos, no Estádio do Arruda, garantiram que ninguém se perdesse de vista. A política também nos aproximou. Simplesmente, Zé Neves. O slogan de campanhas vitoriosas que construímos em "brainstorm".

Participei da festa. Até cantamos juntos um forrozinho, está no documentário dos 50.
50 ANOS
Que festa. Muita emoção. Zé e Terezinha têm bisnetos, imagine. O clima de amor, de carinho, de amizade, de cumplicidade, de admiração, pairava no ar. Certos sentimentos intangíveis podem ser, em ocasiões especiais, percebidos sensorialmente, quase pesados e medidos. A festa foi uma síntese da vida e dos frutos de mais uma união simbólica numa família que é um símbolo. De uma poesia da existência. Poema em permanente construção, que ganhará muitos versos no futuro das gerações da frondosa árvore dos Neves. Os que estão ai. E os que ainda vão chegar.
Viva.