
RESPEITO
A MEMÓRIA DE JOÃO SUASSUNA MERECE CONTINUAR VIVA
03/10/2023 - Jornal O Poder
Flávio Lúcio Vieira*
O nome de João Suassuna é lembrado pelas gerações atuais, na Paraíba e fora dela, como o pai do escritor e teatrólogo, Ariano Suassuna, que ganhou notoriedade quando uma de suas principais obras, O Auto da Compadecida, ganhou vida nas telas das TVs e chegou às salas de cinema.

EM NOME DO PAI
Sobre o pai, que governou a Paraíba entre 1924 e 1928, Ariano gostava de lembrar de um episódio, ocorrido em 1963, quando ele veio a João Pessoa — ou à cidade de Parahyba do Norte, como ele preferia — participar de um Congresso literário. Na ocasião, todos os participantes do evento foram convidados por Pedro Godim para um almoço no Palácio da Redenção, então residência oficial do governador. Na entrada, Ariano foi barrado por um guarda e o seguinte diálogo transcorreu:
— O senhor não pode entrar, não.
— Por quê?
— O senhor está sem gravata.
— Você veja como são as coisas — disse ele ao guarda. — Essa é a segunda vez que eu estou entrando nesse palácio. A primeira vez, eu entrei nu e ninguém reclamou.
EXPLICAÇÃO
“É que Ariano nasceu no Palácio da Redenção, ainda hoje sede do governo da Paraíba. Na época, seu pai era presidente da então província da Parahyba.

ALEGRIA E DOR
Pois bem, a lembrança desse fato, que rememora seus primeiros anos de vida quando o pai governou a Paraíba, que causava risos quando contado durante as várias palestras que Ariano Suassuna fez por todo o Brasil, contrasta com a dor de um poema, escrito por ele e dedicado a João Suassuna, assassinado, em plena luz do dia, nas ruas do Rio de Janeiro, então capital da República. Dois meses antes, João Pessoa havia sido assassinado em Recife; e alguns dias depois, o golpe militar que depôs Washington Luís seria levado a cabo, marcando o início da chamada Revolução de 1930.
CASA REAL
“Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.”
Essas são as últimas estrofes do soneto chamado Aqui morava um Rei, declamado pelo próprio Ariano Suassuna ao final do documentário A Guerra de Princesa, produzido pela TV Senado. Para nos oferecer uma ideia aproximada da dor que o dominava ao final, Ariano disse à jornalista com a voz embargada: “Pronto, agora tome o punhal e me mate”...
TRAGÉDIA GREGA
Esses dois episódios nos remetem a acontecimentos cujos desenlaces relembram tragédias gregas e shakespeareanas, porém, de um tempo não muito distante quando querelas políticas descambavam para embates pessoais, e, quando honras eram manchadas, não raro a opção era lavá-las com sangue. De um lado e de outro. Mas, a memória que sobrevive dos acontecimentos e chega até nós, transformam uns em heróis e outros em proscritos.
HERÓIS E PROSCRITOS
A memória cultivada e permanentemente nutrida sobre o assassinato de João Pessoa é realizada pelo fogo que se quer imperecível, que queima todos os dias no nome da capital do estado e na bandeira rubro-negra, que relembra o sangue de e o luto por João Pessoa. Já da morte de João Suassuna pouco se diz, como se tivesse sido ele e sua história banidos, como foi sua família anos depois da tragédia que assombrará Ariano Suassuna, como o fantasma do pai de Hamlet, por toda vida.

NOVO CRIME
A mudança do nome do Aeroporto de Campina Grande, que, desde 1960, se chama Presidente João Suassuna, é mais um desses episódios que terão por consequência apagar os poucos vestígios da memória do ex-governador da Paraíba. Caso esse intento se realize, um dos nomes que ajudaram a construir a história, em um momento tão decisivo para a Paraíba e para o Brasil, será cada vez mais tênue na memória do nosso povo. Seja como governador, seja como último representante de uma época que o governo de João Pessoa desejava ultrapassar, seja ainda como parte de uma tragédia que, ao seu modo, ajudou a criar o Brasil moderno, o nome de João Suassuna merece continuar vivo.
* Doutor em Sociologia;
Mestre em Ciências Sociais.