
AGORA É FINDI - Coluna Semanal - ROMERO FALCÃO O cronista dos detalhes está com a gente.
07/12/2023 - Jornal O Poder
CINCO MINUTOS DE ATENÇÃO
É dezembro, atravesso movimentada avenida recifense. O sol se despede do horizonte, mas os raios do Natal permanecem iluminando a cidade. Uma lâmpada fraca clareia a carrocinha de comida. O ambulante embala o cachorro quente pra janta da moça que paga com olhos alegres de décimo terceiro salário. Nesse trecho, as árvores carecem de enfeite natalino, talvez por serem centenárias? O etarismo aqui também marca presença? Ou não é nada disso, já que o olhar crítico excessivo pode cegar o cronista. Realmente, não dá pra acender tudo que é pé de pau.
A BARATA DE KAFKA
Mais na frente, piso na calçada de um shopping. Vejo um homem deitado, nu de cintura pra cima, barbudo, sujo, empoeirado, bermuda encardida, cor indefinível, magro da cabeça aos pés, com exceção da barriga gorda e flácida. Terrivelmente evitado, rejeitado, como Gregor Samsa, o inseto personagem de Kafka, para os corações natalinos ávidos por presente. Numa das pernas da criatura jogada em sono de pedra, a pulseira eletrônica, na altura do tornozelo, também reclama cinco minutos de atenção. Finjo refletir sobre o caótico Sistema Penitenciário. Na verdade, como bom cristão, dou de ombros. O aniversariante do mês—o Cristo—clama cinco minutos de atenção. Avanço alguns metros, cruzo a porta do templo do consumo. O piso brilha mais que cusparada de bêbado. As vitrines se valem de todo apelo para fisgar o cliente. O luxo da luz do Natal ofusca a humildade do menino Deus.
A MOÇA DO CARTÃO DE CRÉDITO
Olhar perdido, me perco pelos corredores cheirando à roupa nova. Ando em círculo, até que três moças me cercam, uma delas diz em bom tom: “Cinco minutos da sua atenção, vamos fazer o cartão, senhor! Não adianta explicar que quero me livrar do dinheiro de plástico, elas insistem, atacam em bando como leões. Oferecem mil vantagens, sem anuidade, sem ficha corrida. Penso em correr, nem precisa, logo descartam a presa imprestável. Meus pés pedem a escada rolante, a pisada de criança jamais esqueceu da primeira vez na Viana Leal—primeira loja do Recife a ter escada que nos levava pra cima e pra baixo sem levantar os calcanhares. Noves fora a nostalgia, navego na tecnologia do celular, este não exige cinco minutos de atenção, pois me toma por completo até a próxima encarnação.
O SAPATINHO DE BEBÊ
Antes de deixar o shopping, bato com a vista numa loja para recém-nascidos. Um sapatinho de bebê me solicita cinco minutos de atenção. De súbito, faço conexão literária com o Nobel de Literatura, Ernest Hemingway, que escreveu um Conto que começa e termina assim: “Vende-se sapatinhos de bebês, nunca usados”. E termino esta crônica pegando o gancho do touro erudito. Atenção, atenção, cinco minutos da sua atenção, leitor. No natalício do redentor, procura-se o bebê Jesus, nunca comercializado.