
Adeus Tio Newton - Um depoimento muito pessoal de José Nivaldo Junior*
17/01/2024 - Jornal O Poder
Descansou, o velho guerreiro. Partiu na madrugada da quinta-feira, 11/01/2014, aos 95 anos. Depois de uma vida intensamente vivida. O texto interessa a poucos. Mas vou usar minhas prerrogativas e publicar. Lá vai. Começando pelo amor. Poucos podem dizer, como ele podia, que amou plenamente e foi amado idem. Teve a mulher que escolheu, Rosa Serrano, e que o amava incondicionalmente. Juntos tiveram oito filhos. Severino Neto, Fátima, Lourdinha, Newtinho, Bernadete, Renato, Maria Lúcia, Rosa Maria. A ordem de nascimentos pode não ser exatamente essa. A ordem dos afetos independe, é indo e voltando. Meu abraço a cada um desses primos queridos. Conforta saber que Newton, como sua Rosa, passou pela vida e viveu.

Infância
Tio Newton foi o tio herói da nossa infância, principalmente minha e de meu irmão Ricardo, os sobrinhos mais velhos. Convivemos com ele ainda solteiro. Fomos pajens no casamento, junto com a prima Martinha e com nossa irmã Lucinha, na época bem pequena, mas já enxerida. Compartilhamos momentos importantes. A construção da casa, que ainda hoje está no mesmo lugar e na qual viveu até o fim. Os primeiros anos da fábrica de refrigerantes Guri. O casamento, já mencionado. A virada de chave na vida profissional, que o levou ao legado do agronegócio familiar. Chegou a ser tratado, em viagens de negócios e atualização técnica ao exterior como o Rei das Bananas do Brasil. Ele fazia de contas que não dava atenção, mas a gente sabia que gostava. Como curtia o apelido de juventude, Newton Saúde. Como gostava de exibir raça e força no chute nas peladas de bola, ele craque. Nas partidas-treino dos veteranos do Santa Cruz, nos anos 1960, formava dupla de área com o compadre Amauri, legendário centrefor super-campeão. Na ponta esquerda, Jorginho, também super-campeão. Atrás, center half lançador, o compadre e amigo Rodolfo Aguiar. Até o maior entre os maiores, Tará, uma lenda viva, principal artilheiro tricolor de todos os tempos, participava uns bons minutos. Enxuto nos seus 50 e poucos anos. Era aos sábados à tarde, no projeto do estádio atual. Eu, já estudando no Recife, sempre ia. E, perna de pau mas com muita vitalidade física, era frequentemente chamado para substituir alguém cansado, com cãibra ou lesionado. Levei muitos dribles de Tará, mas umas duas ou três vezes consegui me antecipar e fazer o desarme. É a minha glória dentro das quatro linhas.

Santa Cruz de corpo e alma
Tio Newton era conselheiro do Santa. Eu achava o cargo o mais importante do mundo. Muito mais que presidente dos Estados Unidos, ou Secretário geral da ONU. Aliás, nascido em 1928, Tio Newton comemorou todos, rigorosamente todos os títulos do Santa Cruz, até hoje. 1931, 1932, 1933 (o 1o tri), 1935, 1940, 1946, 1947, 1957 (primeiro super-campeonato) 1959, 1969, 1970, 1971, 1972, 1973 (o glorioso Penta, o Hexa foi escandalosamente roubado no ano seguinte) 1976 (Bi-Super), 1978, 1979, 1983 (Tri-Super, primeiro e único no Brasil e no mundo, para todo o sempre sem fim), 1986, 1987 (Bi, eu diretor de futebol, glória maior da curta trajetória de dirigente), 1990, 1993, 1995, 2005, 2011, 2012, 2013, 2015 e 2016.
Também para não passar batido: em 1979, Fita Azul do futebol brasileiro, o time que mais venceu seleções e as maiores equipes do mundo, em excursão invicta ao exterior. Nunca, jamais, em tempo algum outro time ultrapassará a marca.
Voltando um pouco
Ainda morando em Surubim, anos 1950, assisti ao meu primeiro jogo do Santa da caçamba da camionete de Tio Newton, encostada no alambrado do campo primitivo, ainda no sentido contrário, mais ou menos no local da atual sede. Foi um amistoso, Santa X América, zero a zero. Porém a magia das três cores, ampliada pelo fervor de Tio Newton, me conquistou para sempre.
Com ele, frequentei treinos, bastidores, viajei para assistir a jogos por todo o Nordeste. E graças a ele a paixão enraizou, hoje estendida para filhos e netos. Obrigado, Tio Newton. Três gerações na minha casa te agradecem o orgulho de ser Santa Cruz. Quem não é, jamais alcança o significado profundo desse privilégio que a sua convivência garantiu para mim e para Ricardo.

Vida seguiu
Mais um registro, de tantos que poderiam ser feitos: adepto dos governos militares, para ele Revolução Redentora, quando fui sequestrado pela repressão, Tio Newton viabilizou a fuga de Fátima minha mulher na época, mãe dos meus filhos. Foi algo literalmente cinematográfico. Escondida na casa de "seu" Arnaldo, amigo de Tio Newton e proprietário do Cine Espinheiro, ela aproveitou a saída da sessão noturna para se misturar e ter acesso ao carro, dirigido por Ricardo e José Figueiroa, cunhado até hoje. Fuga para Fortaleza, peripécias narradas no livro 'Pesadelo - memórias de uma prisão política', do Dr. José Nivaldo, meu pai, irmão mais velho de Tio Newton. Solidariedade acima de diferenças. Confluência de almas que apaga, ou deveria apagar, naturais disparidades da vida. Que seguiu com poucas divergências e muitas convergências. Exemplo que inspira e serve de referência. A ser seguido por todas as gerações, na comunhão de boas lembranças e grandes afetos.
Missa
De sétimo dia. É hoje, quarta-feira, 17 de janeiro de 2024. Na capela Santa Edwirges, no Prado 19h30.

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