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O duelo entre Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto, por Romero Falcão

20/01/2024 - Jornal O Poder

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Sei que, em tempos de agressões nos ringues das redes sociais, o leitor deve estar pensando num confronto à moda Zap Zap, entre dois gigantes da poesia. Mas não é nada disso, aqui o duelo é poético e de altíssimo nível. Trago à baila esse embate do poeta romântico, apaixonado, melancólico----Vinícius---- contra o poeta racional, preciso, milimétrico, matemático---João Cabral .

Prêmio Nobel

Para mim, João Cabral de Melo Neto é o maior poeta da língua portuguesa. Quando comecei a ler seus poemas com mais atenção, com o olho de dentro, vi que estava diante de algo genial, que faz da mudez de uma pedra poderoso canto, cujos ouvidos do gênio se diziam entediados com a música . Como pode uma poesia cortante, bem acabada , polida como mármore da rocha, causar emoção e transcendência dentro de mim? Como é belo ver o amor dentro da pedra de João Cabral, ainda que revestida pela dura, calculista pena do poeta. Meu Deus! Como é tocante uma poesia com a grife pedregosa do autor de Morte e Vida Severina . Um homem fantástico que era capaz de examinar uma hélice de ventilador e extrair elevado plano das suas arestas, quando para nós, mortais, tudo não passa de um pedaço de plástico pra fazer vento. Como pode essa poesia aparentemente fria, lógica, cerebral, me proporcionar beleza mística, espanto e humanidade? João Cabral foi cotado para ganhar o prêmio Nobel. Merecia com toda justiça, mas a academia sueca tem suas entrelinhas... E a constante dor de cabeça do poeta não seria a dor de um parto todas as vezes que precisava expelir sua carga poética para um mundo medíocre?

Três diplomatas

Diferentemente de João Cabral, mas não menos genial, Vinícius de Moraes, assim como o chileno Pablo Neruda, cantou o amor, a simetria da mulher, as curvas, os batimentos do coração feminino. Parafraseando Maiakovski, a anatomia de Vinícius ficou louca, ficou toda coração. Os três--- Vinicius, João e Neruda---- foram diplomatas. Três belas aves no céu da erudição, no céu da mais alta inspiração . Vinícius, boêmio, bonachão, largado de copo na mão. João sempre bem arrumado, engomado, regrado, talhado numa fôrma formal .
João Cabral admirava com profundidade a poesia de Vinicius, mas fez a ressalva: "Vinícius de Moraes poderia ter sido o maior poeta da língua portuguesa se tivesse levado a poesia a sério, não tivesse se deixado levar pela má influência da música popular". Já Drummond disse sobre o poetinha: "Dentre nós, ele foi o único que viveu como poeta" , e Manuel Bandeira arrematou: "Ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos e a liberdade, a licença , o esplêndido cinismo dos modernos". Gosto dessa definição de Bandeira. Talvez por se deixar levar, cair de corpo e alma, desfrutar das múltiplas possibilidades do viver, é que Vinícius absorveu o sagrado "cinismo dos modernos".

O duelo

Sendo assim, o contraste nítido entre os dois expoentes da poesia instigou Vinícius, que o batizou de "poeta diamante", num certo tom de crítica, no meu entender. Nessa vibe, o criador de Rosa de Hiroshima, escreveu um poema para João Cabral, e João não deixou barato, respondeu com a invejável arma dos artistas, dos poetas: a poesia. Segue o duelo literário:

Retrato maneira de Vinícius

"Magro entre pedras
Calcárias possível
Pergaminho para
A anotação gráfica
O grafito Grave
Nariz poema o
Fêmur fraterno
Radiografável a
Olho nu Árido
Como o deserto
E além Tu
Irmão totem aedo
Exato e provável
No friso do tempo
Adiante Ave
Camarada diamante! "
Vinícius de Moraes

Resposta de João Cabral

"Camarada diamante!
Não sou um diamante nato
nem consegui cristalizá-lo:
se ele te surge no que faço
será um diamante opaco
de quem por incapaz de vago
quer de toda forma evitá-lo,
senão com o melhor, o claro,
do diamante, com o impacto:
com a pedra, a aresta, com o aço
do diamante industrial, barato,
que incapaz de ser cristal raro
vale pelo que tem de cacto."

* Romero Falcão é cronista.

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